A minha primeira Maratona
Tudo começou em meados de Maio
com a decisão de me inscrever na prova rainha das corridas de fundo. Tinha
começado a correr em 2002 mas nunca levei a corrida muito a sério até há cerca
de um ano.
Com a inscrição na Maratona do Porto
iniciei algum trabalho de pesquisa que visava responder a uma pergunta básica:
como é que alguém que está longe de ser um atleta dotado, se prepara para
correr 42,2km.
Li muitas dicas, planos de
treino, alimentação, equipamento, etc. Passei seguramente muitas horas a ler
tudo o que encontrei.
De tudo o que li houve duas
frases que me deixaram uma marca muito profunda no meu percurso de preparação.
São:
• Quando passares a marca da
Meia Maratona tens que te sentir muito bem. Faz o que fizeres na primeira
metade da Maratona, mas quando chegares à meia tens que estar ‘fresquinho que
nem uma alface’.
• Quando chegares às 20milhas
(32km) chegaste a meio da prova. Obviamente não chegaste a meio do percurso,
mas chegaste a meio do cansaço e do desgaste físico e emocional. Os últimos
10km custam tanto como os 30 iniciais.
Com estas frases a ecoarem na
minha cabeça decidi traçar um plano modesto e pouco ambicioso (se já não é
ambicioso querer correr uma maratona).
Decidi então que iria manter um
passo confortável que me permitisse ter um ritmo cardíaco também confortável e
sem qualquer objectivo temporal.
Apontei para durante a prova
nunca ultrapassar os 75% do meu ritmo cardíaco máximo, ou seja manter-me abaixo
dos 145 batimentos por minuto.
Fiz o ‘reverse engineering’ da
coisa, subi para cima duma passadeira, e procurei descobrir qual a velocidade
que correspondia ao ritmo cardíaco pretendido.
O resultado foi: 6min/km. Ou
seja, a esta velocidade estaria seguramente abaixo das 145 batidas por minuto e
chegaria à meta com 04h13m. Nada que envergonhasse um estreante na distância.
A partir daqui procurei que
todos os meus longões fossem sempre feitos a este passo. Tentei ensinar o corpo
(e a mente) a correr a este ritmo (mesmo para mim é um ritmo lento).
Acabei por encontrar algumas
informações úteis sobre como correr de forma eficiente. Descobri por exemplo
que a velocidade de um corredor é igual ao número de passos que esse corredor
dá por minuto, multiplicado pelo comprimento desses passos. Parece óbvio! Mas o
mais interessante consiste em tentar responder à seguinte pergunta: para correr
mais depressa é mais eficiente aumentar o número de passos ou o seu
comprimento?
Ora, os estudos dizem que
anatomicamente o ser humano está capacitado para correr confortavelmente
distâncias de longo curso a um ritmo de 180/190 passos por minuto. Este número
aplica-se tanto a corredores amadores como a corredores profissionais, sendo
que 180 passos por minuto é para a maioria dos mortais o ponto óptimo da eficiência
para correr corrida de longo curso, i.e. onde se gasta menos energia para
correr à maior velocidade possível.
Conclusão, aquilo que separa
qualquer um de nós do Haile Gebreselassie (Luís Ferreira, tu já estás neste
campeonato) não deve ser o número de passos que damos por minuto mas sim o
comprimento desses passos.
Voltei a subir para uma
passadeira e durante 30seg contei quantas vezes o meu pé direito bateu no chão
a várias velocidades. Os resultados foram intrigantes. Estava a correr a 160
passos por minuto. Havia assim uma vantagem em procurar aproximar-se dos 180
passos. Procurei fazê-lo e hoje corro de forma mais eficiente a 170 passos. Não
o faço necessariamente mais rápido, mas faço-o gastando menos energia.
Voltando à Maratona do Porto.
As coisas correram
razoavelmente conforme planeado.
Procurei manter-me hidratado e
comecei a beber logo no início da prova, muito antes de sentir sede (aliás, foi
tanta a quantidade de líquidos ingerida que nunca cheguei a sentir propriamente
sede).
Mantive-me no passo pretendido,
talvez um pouco mais rápido nos primeiros 15km devido à ligeira descida.
Aos 10km o meu ritmo cardíaco
estava nos 130. Óptimo portanto.
À passagem da meia maratona com
2h02m mantinha-me abaixo dos 140 e já sonhava com a chegada abaixo das 4h10m,
talvez mesmo perto das 4h05m. Sentia-me tão livre e solto que julgava que tinha
a corrida controlada.
À passagem do km32 começam os
primeiros sinais de fadiga. Comecei a temer bater no ‘muro’. Parecia incrível!
Há 10km atrás sentia-me lindamente e à passagem das 20minhas sentia-me
desgastado.
Como tinha feito longões de
36km sabia que tinha a obrigação de contrariar a fadiga e seguir em frente. O
‘muro’ não me venceria.
E assim fiz.
Chegou o km38 e já não tinha
‘força nas canetas’. Cada vez que punha o pé no chão tinha micro-cãibras que me
provocavam dores incríveis nos quadricipes e nos gémeos.
Foi ao km38 que a prova se
tornou mental. Correr passou a ser algo apenas possível porque a mente
‘gritava’ para não parar. Durante os últimos 4km repetia (muitas vezes em voz
alta) uma espécie de ‘mantra’ do tipo: ‘Não pares. Não podes parar agora. Tá
quase.’
Sabia que tinha batido no muro.
Tinha-lhe acertado em cheio. O muro, o inexorável muro, afinal estava lá à
minha espera.
Mas estava determinado em não
deixar-me vencer. O muro não me venceria!
Devo confessar-vos que estes
últimos 4km foram arrasadores do ponto de vista emocional.
Cortar a meta da nossa primeira
Maratona é uma sensação indescritível. De repente, todas as dores, todo o
‘mantra’, as ladainhas, o sofrimento, tudo isto desaparece por breves segundos
em que uma descarga de adrenalina nos acorda para a vida. Durante breves
instantes sentimos uma alegria imensa que nos percorre o corpo todo.
Cruzei a meta com 4h13m53s.
Exactamente o tempo que me tinha proposto fazer.
Ainda na carpete vermelha
depois da linha de chegada ajoelhei-me exausto. Recordei a minha mãe
desaparecida em 2010 aos 68 anos após 7 anos de luta heróica contra uma doença
generativa do sistema nervoso. Agradeci-lhe toda a força que me deu pensar no
seu exemplo.
Hoje começaram os treinos para
a próxima Maratona.
Run 4 fun,
Luís Correia
Os meus sinceros parabéns pelo teu esforço e alcançar esse objectivo, com uma descrição de todo o processo magnifica. Talvez para o ano eu me sinta com forças para a minha 1ª. Parabéns e que depois desta venham as próximas.
ResponderEliminarExcelente relato.
ResponderEliminarGostei muito de toda a emoção colocada no texto.
Parabéns.
FA
Parabéns pelo resultado, força de vontade e estratégia seguida.
ResponderEliminarAC
Obrigado Luís pelo teu relato, da preparação e da prova.
ResponderEliminarTomos temos objectivos individuais, mas a descrição da tua superação, do teu sacrifício e sofrimento foi elevado pela tua motivação intrínseca e pela dedicação a uma pessoa muito especial e única na tua vida.
Obrigado por partilhares connosco todas estas emoções.
Emocionante, e inspirador!
Amigo Luís,
ResponderEliminarDepois de ler o Teu texto, vou-me limitar a agradecer a partilha e a dar-te os parabéns.
Conseguiste emocionar-me e dar-me ainda mais motivação para o dia 4 de Dezembro, além de teres passado mais algumas dicas muito interessantes...só espero que quando o "meu muro" chegar tenha a mesma capacidade e força emocional que tiveste.
Runabraços
Nota : Talvez a Tua próxima seja também a minha segunda.
Luis
ResponderEliminarMuito obrigado pelo teu relato.
Realmente nos longões que já fiz sinto que ainda falta algo para acabar bem.
Excelente descrição e uma ajuda para os que como eu se vão estrear em Dezembro.
Obrigado
Emocionante, principalmente a última parte do teu relato.
ResponderEliminarE muito racional o modo como preparaste e correste a tua 1ª maratona.
O que sentiste na parte final é aquilo a que chamamos o 2º fôlego, uma força adicional que nos é dada pelo fato de sentirmos que o objectivo está quase conseguido.
Parabéns e continua pois a seguir vem a barreira das 4 horas. Está à esquina. :)
Runabraços
Obrigado Luis pelo magnifico relato e por partilhares conosco esta vivência.
ResponderEliminarPara mim foi um prazer ter-te "acompanhado" nesta prova.
Muitos parabéns pelo resultado alcançado.
TT
Caro Luís,
ResponderEliminarAntes dos parabéns e de mandar um grande abraço, quero agradece a partilha da tua experiência e todas emoções. São palavras como as tuas que me demonstram como é importante ouvir e entender os sinais que sentimos e ter a certeza que só tenho de provar a mim mesmo que sou capaz! E, finalmente, agradecer a todos os que me suportam e me inspiram a ser melhor todos os dias!
OBRIGADO e até breve!
Parabéns Luis Correia,
ResponderEliminarNotável a forma como preparas-te a prova, de facto estavas muito bem preparado a todos os níveis!
A maratona é uma prova de resistência, força mas sobretudo de Inteligência!
Julgo que apesar de não teres baixado as 4h05, foi um prova muito bem gerida sendo a primeira e quase tudo correu conforme planeado sob um plano realista.
A primeira maratona além do nos levar a patamares emocionais muito altos, traz-nos recordações que não se apagarão da memória e que ajudas-te a recordar.
Muito Obrigado pela emocionante partilha.
Tal como dizes: começou no Domingo a preparação para a próxima.
RunAbraço e até breve,
NDA
Luís, depois de ler este emocionante relato , com os detalhes não só técnicos mas principalmente emocionais, quero te agradecer por ter-me despertado para enfrentar este desafio. Tenho plena consciência que ainda é muito cedo para eu pensar numa Maratona, mas conseguiste me inspirar e fazer com que um dos meus objectivos pessoais para o ano de 2012 seja participar de uma maratona. Parabéns pelo tempo, pela preparação e pela emoção.
ResponderEliminarGrande abraço.
Parabéns pelo impressionante texto, não só a descrição técnica da prova como a descrição emocional.
ResponderEliminarVou tentar fazer a minha primeira maratona no dia 4 de Dezembro em Lisboa, e certamente vou-me lembrar deste teu relato que me irá ajudar a superar o tal “muro” que todos tememos.
Obrigado pela partilha, e pelos ensinamentos descritos no teu relato.
RunAbraços.
Um abraço, Luís. Muitos parabéns pela prova! Obrigado pelo relato, que contém elementos importantes.
ResponderEliminarParabéns Luís pelo resultado!
ResponderEliminarElucidativo e emocionante relato da preparação e da prova.
Neste momento sabes algo mais para preparar a próxima e obter um melhor tempo.
RunAbraços.
Excelente crónica Luís!
ResponderEliminarMuito equilibrada nas suas vertentes científica e factual e de descrição de uma experiência pessoal muito motivadora.
E muitos parabéns por teres concluído com exíto o percurso que leva de um atleta ocasional até um maratonista.
Esta será a primeira de muitas!
Um abraço