50 PROVAS com mais de 42 km. E agora?

 

                                                             


E agora? 

Objectivo: aos 50 anos entrar para a lista dos Portugueses com mais de 50 Maratonas e Ultra Maratonas e ser uma das primeiras 10 mulheres a fazê-lo - https://www.joaolima.net/50Maratonas.htm

Foi cumprido aos 52 anos. Os 50 anos chegaram ao mesmo tempo que a pandemia Covid e as provas foram canceladas.

Porquê?

Porque nos movemos por objectivos, com o valor, que lhes atribuímos, e porque a nossa vida é um emaranhado de realidades amorosas, familiares, profissionais, desportivas no qual tais objectivos se impôem, ou pela realidade ou pela necessidade, ou porque assim o queremos .

Quando tomei esta decisão apenas constavam na lista, como RUN 4 FUN, e por ordem de entrada, os gurus Jorge Esteves, Teodoro Trindade e Luís Matos Ferreira.

Em 30/04/2023 entraram o Rui Faria, João Veiga e Fernando Rosete, tendo o Paulo Raposo já um pé na lista. Parabéns a todos!


Resumidamente, os momentos chave desta jornada:

1- A primeira prova: maratona de Sevilha - Fevereiro de 2014. 

2- O primeiro trail: Ultra Trail de S. Mamede, em Maio de 2014.

3- Os meus 4 maiores orgulhos: 100 km do EstrelAçor (2018 e 2020), 110 km (Épic Trail Açores) e 111 km de Sicó (2020).

4- A minha prova mais estranha: o “Ratinho” - 102 km nas 24 Horas a Correr Mem Martins, em 2022  (61 voltas num percurso circular de 1,67 km (?!?!?)).

5- As duas ultras mais especiais, ambas no EstrelAçor:

Uma porque foi a primeira prova de 100 km, e feita com o Rui Faria, em 2018. Foram especiais todo o nosso imenso prévio trabalho e aplicação, em conjunto, foi especial a beleza da prova, na minha adorada Serra da Estrela, e a enorme cumplicidade, e felicidade, com que passámos a meta, numa noite gelada.




A outra, em 2020, na companhia da Marina Marques e do Teodoro Trindade, que teve um final épico: já tínhamos completado 98 km, no meio de uma tempestade, quando nos perdemos, e ficámos completamente desorientados no espaço, sem conseguirmos perceber onde estávamos e qual o caminho para a meta, com os trackers desactivados, numa noite gelada, com vento, nevoeiro, chuva torrencial, na Serra da Estrela, a uma altitude de 1500 m. Não obstante, nunca desesperámos e tentámos, sempre em equipa, procurar soluções e o caminho para a meta. O que veio a acontecer e terminámos muito felizes e com uma aventura enorme para recordar...para sempre!










6- A 50ª: MIUT60, em Abril de 2023. O MIUT é o MIUT, mesmo na prova de 60 km e com menor altimetria, do que a dos GRANDES.

Mas há um enorme caminho a percorrer, até ao objectivo. E tem avanços, recuos, falhas, sucessos.

O MIUT foi a minha 50ª prova finalizada. Mas foi, também, a minha 60ª participação em provas com mais de 42 km. Não cumpri 10 das provas a que me propus! Dez!!!! Mas a verdade é que também me orgulho de (quase) todos elas. E, na maior parte das vezes, é nessas que me foco. São essas que dão ensinamentos e que nos fazem manter os pés no chão e a cabeça na realidade:

- UTSM 2017 – 100 km – Desistência no Marvão, aos 63 km. O elevado calor e a desidratação (no abastecimento dos 55 km achei que não era necessário encher o saco da água…idiota!!) Fiquei sem uma pinga de água, com 29 graus de temperatura, a 4 km do abastecimento seguinte, no Marvão. No início da subida tive que me sentar no chão, cheia de tonturas e agoniada. Já no Marvão a médica disse que podia seguir, porque não tinha problemas de saúde, mas assustei-me com o cansaço e a agonia, e não continuei por inexperiência. Hoje já sei que, por norma, essa agonia termina, se comer e continuar. E também sei que, mesmo sentindo mau-estar ou agonia, é perfeitamente possível continuar terminar a prova. Todos os restantes laranjas, que terminaram a prova, também tiveram problemas físicos mas não cederam. Aprendi!

- RIANO Ultra Trail 2017 – 48 km. Uma prova sem história: parei aos 14 km com vários problemas físicos. De qualquer maneira, nunca teria terminado porque, aos 38 km, existia uma crista da montanha, com 500 m de altura, que teria que percorrer, e nalguns locais apenas cabia um pé. Nunca conseguiria percorrer essa crista e só me tirariam de lá com um helicóptero de salvamento.

- Maratona de Badajoz 2018- 42,195 km – Aos 21 km a prova passava no local da chegada. Estava saturada da estrada e decidi que não me apetecia repetir outra volta, igual à primeira. Entrei no corredor da meia maratona com o speaker a gritar que me tinha enganado no corredor e que deveria regressar ao meu, o da maratona. Só lhe gritei: “No quiéro!”. Aprendi que, mesmo saturados, o objectivo é para atingir e que o desafio é esse mesmo.

- Penacova Trail do Centro 2018 – 42 km – Margarida Gonçalves, Rúben e eu, retirados da prova, aos 33 km, porque havia o risco de o rio transbordar e de se tornar perigoso, durante a nossa passagem. Foi uma forma bonita de expor o caso tanto mais que não só os restantes colegas terminaram a prova, como fomos perseguidos pelos vassouras, durante kms, que não descolavam, apesar de carregarem as fitas que iam recolhendo…acho que este ponto esclarece o caso.

- Louzantrail 2019 – 43 km – Barrada aos 26 km, por 12 minutos…sem história. Mas adorei deambular sozinha pela serra onde tive um daqueles momentos de sensações que se gravam na pele e no olfacto. Lembro-me nitidamente  do som do vento, do cheiro de terra molhada, do trilho fofinho e inclinado, aos ziguezagues, logo a seguir à cascata. Aprendi que não se pode estar parado mais do que 15 minutos a comer bifanas nem a conversar com os simpáticos voluntários. Mas que momentos mágicos retive, mesmo  não tendo chegado à meta.

- MIUT 85 2019 – 85 km – Desistência no Pico Ruivo, com 45 km. Tive tanto medo do que se seguiria durante a noite: a faixa estreita e sem protecções da Vereda do Larano aterrorizou-me e paralizou-me. Não aprendi nada, continuo com medo.

- Andorra Celéstrail 2019 – 85 km – O Rui e eu chegámos à base de vida 2 ou 3 minutos antes da hora de corte. Deram-nos a tolerância de 10 minutos para comer e usar os sacos da base de vida, para seguirmos, ou de desistir e completar a prova de Maratona de Montanha, com os 45 km que finalizámos. Aprendi que são montanhas que requerem outro treino e outra velocidade, para uma distância de 85 km. Não era comparável com a prova de 42 km – Marató – que ali tinha completado em 2015.

- Iberlince Trail de Barrancos 2019 – 50 km - Retirados da prova por causa do risco de queda, em função do mau tempo. Já tínhamos completado 42 km, faltavam 5 km para a meta, e  tempo mais do que suficiente para ali chegar. Aprendi que não adianta irritar-me com situações injustas e aproveitei os risos que tivemos no carro da organização.

- TPG e Ultra Trail de Abrantes 2022 – 42 e 50 km – Começaram os episódios inexplicáveis de batimentos cardíacos, permanentemente elevados – 180 bpm-200bpm - e uma incapacidade para movimentar as pernas. Tive que desistir, respectivamente, aos 23 km e 31 km, porque cada passo era um tormento. Aprendi que é necessário fazer exames e ouvir o corpo, principalmente quando atingimos a “meia idade”. A máquina não apresentou qualquer problema, nos inúmeros exames que fiz, e o mistério mantém-se.

- Ultra Trail de Sever do Vouga 2023 – 58 km – Barrada aos 30 km. 48 atletas barrados, no total, incluindo laranjas que terminaram o ALUT, o MIUT e provas de 100 milhas. Aprendi que há organizações que não merecem os trilhos lindíssimos, de que dispõem, nem o respeito dos atletas que ali se deslocaram, quando não cumprem sequer os regulamentos.

Não sou bafejada pela sorte, em termos de genética. Sofro fisicamente em qualquer prova. Tenho dores e enorme cansaço. Desconheço as sensações de “leveza”, de “pernas soltas” e de “fluidez” que vários atletas descrevem, acerca das suas provas. Ainda por cima, há 5 anos passei a sofrer de asma (ou asma de esforço, ainda não se sabe) que me provoca cansaço, tosse e aperto no peito, nos primeiros 7 a 10 km de cada prova, ou treino.

Mas nem tudo é mau. Sou teimosa e o meu gozo está no desafio da resistência física e mental. O prazer de superar subidas longas e difíceis. O prazer de ultrapassar o cansaço e a saturação, quando parece que já não há um pingo de energia. Parece uma espécie de Marquês de Sade dos Trilhos. E habituei-me a chegar nos últimos lugares das classificações e a não ter qualquer problema com isso.

De facto, sou uma privilegiada! Conheci sítios espectaculares, desconhecidos da maior parte dos portugueses, desafiei o corpo e a mente, aprendi tanto sobre mim. Estabeleci objectivos, trabalhei para os alcançar. Gozei o sucesso e encarei as falhas. Sempre com alegria.

Mas… e agora?

Cada vez tenho mais trabalho e menos tempo para treinar. O corpo pede-me ronha e reage mal à perspectiva do sofrimento. E o entusiasmo, no final, não está a compensar, totalmente, esse sofrimento,  como antigamente.

Por isso, agora, vou dedicar-me aos Longos, aos trail camps, e ao convívio com a malta.

A malta…a malta mexe connosco, pica-nos, mima-nos, apoia-nos, brinca e goza. 

A malta estimula, desafia e entranha-se em nós. 

A malta é-nos essencial. 

Sem a malta ainda estaria ainda a correr uma só volta no Parque das Conchas. O laranja colora-nos a vida e a forma de nela estar.

Não posso enumerar cada um com quem partilhei tantas aventuras, km e sentimentos. Foram tantos e todos tão determinantes. Gosto muito de cada um de vocês e agradeço-vos a amizade e o apoio.

O Clube RUN 4 FUN é a base, a motivação e o sentido deste objectivo e deste caminho.

Obrigada!!! 


O Rui Faria, o meu parceiro, apoio, suporte, crítico, companheiro de gargalhadas e de mimos diários, a minha fonte de inspiração e de admiração, Wolverine dos trilhos e das provas, cheio de garra e de foco, mas sempre preocupado e atento aos outros.
Muito obrigada, nada seria o mesmo sem ti.


E, agora, com calma e serenidade, vê-se o que o futuro trará. Vai ser bom, porque estarei com a malta, em qualquer vertente. Na realidade, este é que é O OBJECTIVO

Comentários

  1. Para já interessa comemorar de jeito as 50 Provas!
    Não é um feito qualquer. Entre essas provas, outras mais curtas os milhares de treinos, são 10 anos de corridas que permitiram alcançar esse objetivo.

    E se há atleta que merece ser elogiado em excesso por esse feito és tu minha querida Sandra!
    Eu que tenho o previlégio de te acompnhar tanto nos treinos como nas provas sei o quanto te sai do esforço cumprir cada prova.

    Podemos isolar as 50 provas uma a uma. Mas a verdade é que as provas não saõ isoladas de tudo que as rodeia. Desde o dia da inscrição até ao momento da chegada a meta.

    Ao contrário de mim, algumas vezes justificadamente e outras não, tu sofres por antecipação. Acredito que esse fator ainda torne as coisas mais dificieis.

    Mas o que interessa é que estás de PARABÉNS!

    A vida é o que cada um faz dela. E para nós, nos últimos anos, uma fatia consideravel tem sido a corrida, Mas mais que a corrida têm sido momentos de convívio com amigos.
    Têm sido momentos de alegria. As vezes de lágrimas de alegria.

    E agora?!
    Agora vamos para as 50 com 3 digitos. heheh

    Adoro-te pela pessoa que és. E porque de pequena não tens nada.
    Como diria o Francisco ... GiGANTE!!

    Rui Faria







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  2. O teu texto é uma delícia Sandra.
    Vale pelas conquistas sucessivas, pela experiência, pela superação, pela humildade, pela ambição e por muito mais. Mas o que me parece também relevante é o teu testemunho que faz de ti um exemplo a seguir. Quando é preciso, tu estás lá.
    Obrigado por tudo.

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