5 Ultras
A Isabel, divertida:
- Ligou-me o teu pai. Disse-me que vai estar muito
frio este fim de semana. Que não te devia deixar ir correr…
Era a véspera da prova de Sicó e os
telejornais alertavam que as temperaturas iam descer abaixo dos 0º. E eu inscrito
na Ultra.
-Eu ligo-lhe, não te preocupes…
O que estava em jogo era mais do que uma
prova. Durante os anos da pandemia o corpo coabitou com uma lesão e uma longa
Covid que me fez ganhar peso e perder pulmão, uma combinação nada favorável às
longas distâncias. No final de 2022 algo estava a mudar e inscrevi-me nos
Trilhos dos Reis, na versão com 27k. Foi uma prova que correu bem, desde a
grupeta que se juntou na pensão Destino, aos amigos que acompanhei em prova até
à festa com que encerrámos o dia.
Foi assim que no final de janeiro soube que
estava pronto para voltar às Ultras, ciente de que ia necessitar de concluir
quatro provas para ser finalista do circuito de Ultra Trail.
Sicó era apenas o início dessa caminhada.
- Viva Pai. Já sei que não quer que eu vá
correr com este frio. Não se preocupe, existe uma prova à noite mas não vou a
essa, a minha começa de manhã e termina á tarde.
Uma verdade que escondia uma mentira, nunca tinha
pensado em fazer a prova maior.
Tirando o frio na partida de Santiago da
Guarda a prova correu de feição, tivemos um enorme apoio R4F e ainda fechámos a
jornada com um jantar divertido e retemperador. Foi tal o sucesso que na
segunda-feira seguinte já estava inscrito no TAUT – Terras de Ansião, uma
espécie de Sicó v2.0 que se desenrolou á noite, sem frio e sem grande história.
Para mim teve a particularidade de ter sido a primeira ultra feita à noite, o
que me permitiu ver o amanhecer do dia no decorrer da mesma.
Entrava no mês de abril com duas ultras concluídas
e agora tinha pela frente o Trail do Texugo, na Serra d’Ossa. Havia sido
desafiado para esta prova pelo Rui Faria, em dezembro, mas ambos sabíamos que
não iria seria fácil para mim. Valeu-me a paciência que o Rui foi tendo para
comigo nos treinos que antecederam a prova.
- Luís, o que digo ao teu pai?
Ia a caminho da Aldeia da Serra quando recebi o telefonema da Isabel. O meu pai, sempre atento á meteorologia, tinha-lhe ligado por causa do calor que iria fazer naquele dia.
Esteve calor no Trail do Texugo, mas não foi por isso que a prova não cumpriu as minhas expectativas. Este ano a prova atravessou grandes áreas de eucaliptal, recorrendo a demasiados corta-fogos para ganhar altimetria, desenhando um percurso com aparente pouco nexo. Para mais nos últimos kms incorri num excesso de confiança e abrandei o ritmo, acabando a prova a poucos minutos do tempo de corte.
Abril começou da melhor forma e, graças à
inscrição tardia no TAUT, iria ser possível fechar o circuito das Ultra na
Geira Romana.
Quem conhece o Moutinho sabe que as provas
que organiza nunca são fáceis, contudo a Geira é especial pois desenrola-se em
boa parte ao longo do caminho romano que ligava Bracara Augusta às Astúrias. E
foi mesmo durante as longas horas solitárias a calcorrear trilhos na beleza
ímpar do Gerês que finalmente me reconciliei com a ultradistância. Para o final
aguardava-nos um percurso exigente por entre as escarpas que, contudo, não conseguiu apagar essas
boas sensações pelo que fechei a prova com um vigoroso agradecimento ao
Moutinho, esse ‘bastard’ que nos conduz sempre a sítios únicos.
Ainda me faltava concluir o UTSM, a última
prova do plano traçado.
‘Imagina.... não me identificaram no voo
Arlanda/ Frankfurt, pelo que me anularam o voo para Lisboa 🤦🏻♀️🤦🏻♀️🤦🏻♀️. Já está resolvido ...’
A mensagem da Isabel apanhou-me de surpresa,
entre a ida ao aeroporto e o despertador tocar foi o tempo justo de um piscar
de olhos. Quando o dia amanheceu já eu e o Paulo Raposo íamos a caminho de
Portalegre onde nos esperava o transporte para a partida, que este ano seria na
Portagem, no sopé de Marvão.
Esteve um dia fantástico para correr em
trilhos e a Serra de São Mamede não me desiludiu. Os primeiros Kms foram feitos
a bom ritmo, a disfrutar da luz da manhã e do apoio da equipa. Chegado a meio
da prova o corpo recorda-se que dormiu apenas duas horas e mudou de humor. Foi
então que o olhar começou a vaguear à procura de lugares para descansar e rapidamente
percebi que tinha de reagir para não deixar esta letargia tomar conta do que
faltava da prova. O ritmo era agora forçosamente mais baixo e uma das estratégias
para ocupar a cabeça foi a de estimar o paradeiro dos amigos que estavam na
distância maior, pois as duas provas juntavam-se no final e já me imaginava a
fazer os últimos Kms com eles.
Quando cheguei ao último PAC senti que prova
estava terminada e foi já com uma Água das Pedras fresca na mão que telefonei
ao Rui a saber do paradeiro da malta. Foi assim que soube que a malta dos 108km
estava afinal a mais de uma hora, pelo que não fazia sentido ficar parado tanto
tempo. Levantei-me para fazer os 8Km finais, os quais não apresentavam quaisquer
dificuldades.
Foi já na descida para Portalegre que senti o
telefone vibrar.
- Luís, ligaste-me?
Não é costume ter o telefone ligado em prova.
- Viva Pai. Estou agora a correr, aqui na
Serra de São Mamede e está um dia fantástico. Devo estar agora a 3 km da meta.
Depois ligo. Bjs
A passada tornou-se mais leve na aproximação
ao estádio, é então que encontro o Rui e a Débora que vieram ao meu encontro e é
numa correria que seguimos juntos até cruzar a meta.
Mais do que uma prova o UTSM era o final da
caminhada iniciada em Sicó. Três anos depois voltava a ser finalista do
circuito de Ultra Trail da ATRP.
PS: Obrigado aos meus amigos desta fantástica
equipa R4F que me desafiam a ir mais longe e à Isabel que me apoia, sempre.
Dedicado ao meu pai e às memórias das caminhadas que fazíamos na serra quando
eu era miúdo.
A chegada a
Portalegre
Fortíssimo,
ResponderEliminarGrande abraço