A minha estreia nos 42 Km (e a repetição)

 



Nota: Este post está atrasado um mês, mas se tiverem paciência para ler, vão perceber o porquê.

Como o título indica, estreei-me na prova rainha de estrada, mais especificamente na Maratona de Lisboa, a 9 de outubro. Na verdade, foi uma estreia antecipada porque a mesma ia apenas acontecer em fevereiro de 2023, na Maratona de Sevilha. Mas alguém que acredita mais em mim do que eu própria quis que esta conquista acontecesse mais cedo e inscreveu-me nesta “loucura”.

Com tudo o que foi acontecendo até ao dia de hoje, já não me recordo bem de quanto tempo tive para me preparar para a Maratona, mas diria que foi cerca de mês e meio/dois meses. Problema: o tempo foi passando e a oportunidade de fazer os treinos longos também, sempre por culpa da preguiça de acordar cedo ao domingo ou por ter sábados à noite demasiado sociais para ter energia no dia seguinte.

Assim, com tanta falta de preparação, tinha tudo para correr mal e a ansiedade foi tomando conta de mim. Felizmente, quem me meteu nesta alhada foi sempre tentando amenizar o meu nervosismo. Se resultou? Diria que não. Lembro-me que nos dias que antecederam a prova nem conseguia pensar no assunto sem sentir “formigueiro” na barriga. E exatamente no dia antes da Maratona estava com uma neurazinha que aumentou quando fui buscar o kit do atleta, uma vez que o senhor que me entregou o mesmo nem queria acreditar que eu ia fazer a prova. Eu e este meu físico invejável, custa mesmo a acreditar…

No dia da Maratona acordei bem tensa e enquanto esperava pelo momento da partida, o meu coração disparou. Estava tão nervosa que o próprio speaker da prova reconheceu o olhar de pânico de quem se vai estrear e fez-me perguntas… Quais? Não me lembro, não sei se pelo nervosismo ou porque a minha memória está um bocado podre, desculpem.

Entretanto, o momento de partir chegou. Não havia mais nada a fazer, a não ser aceitar o conselho do Fernando Rosete: “Vai num ritmo confortável, não olhes para o relógio e desfruta”. Foi o que fiz.

Na primeira metade da prova tive a companhia do “louco” que meteu aqui a maluca nesta aventura. Ao recém laranjinha Tiago Costa Santos devo muito desta conquista, desde a paciência para me aturar ao longo do tempo, com as minhas dúvidas e os meus medos, até à dica das meias de compressão e às pastilhas de magnésio que me safaram das cãibras que, felizmente, não me atingiram.


O mesmo não posso dizer sobre ele, já que, ao Km 13, as cãibras (ou algo do género) resolveram arruinar-lhe a prova, fazendo com que tivesse de o abandonar ao Km 23. Ou melhor, o Tiago e o seu poder de persuasão (dois ou três berros), obrigaram-me a seguir (contrariada) o resto do caminho, "sozinha". Ponho aspas de propósito porque nunca estive sozinha.

À minha volta havia mais gente que se tinha proposto ao desafio que é fazer uma maratona e que, tal como dizem, tem uma forte componente psicológica. Se tem! A mente é o combustível para grande parte do percurso, especialmente quando começam a surgir as primeiras dores nas coxas, nos joelhos, nos tornozelos, etc. Mas o impacto da força do pensamento mede-se quando se sente o efeito parede/muro. Sim, ele existe, é real. Já tinha ouvido falar disso, mas sentir é completamente diferente. A mim aconteceu aos 35 Km: um cansaço extremo que parecia que o corpo queria desligar-se. Curiosamente, quis muito parar, mas nunca desistir. Não tinha chegado até ali para nada. Por isso, baixei o ritmo e fui correndo e absorvendo a energia das pessoas que estavam ao longo do percurso a apoiar.

Falando nisto... Que bom é fazer parte dos RUN 4 FUN! Que sorte a minha ter conhecido este grupo espectacular de pessoas que não só chegam longe, como fazem os outros chegar longe também. Foi essencial sentir o apoio de quem ia correr a maratona ou a meia, e igualmente marcante, ter o apoio de quem não ia correr, mas estava lá para bater palmas. E sem querer desvalorizar ninguém, permitam-me deixar uma palavra especial de agradecimento a duas queridas meninas/atletas que puxaram por mim e deram aquele boost energético à custa de palmas à meia e ao fim da maratona. Refiro-me à Lara Machado e à Susana Duarte. Obrigada pela vossa força e pelos registos fotográficos. 




E sobre estes, há algo que sobressai: o sorriso. A verdade é que estava genuinamente feliz e a desfrutar de cada momento. Quanto mais próxima estava da meta, apesar das dores que sentia, tinha mais vontade de rir. E quando fiz a curva da ribeira das naus e comecei a sentir o "cheiro" da meta, senti os olhos a encherem-se de lágrimas, mas uma enorme vontade de sorrir. Por isso, até chegar à meta e mesmo depois de a cruzar, sorri muito. Esta conquista já ninguém me tirava: Finisher da Maratona de Lisboa 2022. Porém, quando vi os “meus” laranjinhas novamente, desfiz-me em lágrimas que, obviamente, não eram de tristeza, mas sim de um enorme orgulho e sentimento de missão cumprida. Uma descarga de adrenalina… Quem nunca?



A história da estreia já terminou. Porque é que eu continuo a escrever?

Porque no título deste post está a palavra “repetição”. E o que é que isto significa? Não, eu não tive de repetir a Maratona de Lisboa. Essa ficou feita e, na minha perspetiva, muito bem feita, tendo em conta a falta de preparação para a mesma.

Então, porquê repetição? Bom, contextualizando, os dias que se seguiram à Maratona foram bem dolorosos, mas ser finisher de uma prova exigente como esta é um orgulho e deu-me a energia extra para enfrentar outros desafios e entrar nos 34 anos em bom.

E de facto, fiz 34 anos a 18 de outubro, toda contentinha, a achar-me fisicamente invencível e pronta para o Duratrail a 22 de outubro… Só que não. Como prenda de aniversário, estreei-me noutra prova: a COVID-19. E além desta malandreca, que bateu forte, mas foi sumindo de fininho, recebi outra prenda de aniversário: uma inscrição para a Maratona do Porto.

Sim, é aqui que começa a parte da repetição. O “louco” do Tiago Costa Santos inscreveu aqui a maluca da DJ Almeida em mais uma maratona, estando a mesma agendada para 6 de novembro. 


Mesmo quem não é muito bom a matemática consegue perceber a proximidade entre as duas maratonas… isso mesmo, menos de um mês. Parece pouco tempo, não é? Também achei. E mais uma vez, outra prova que teria de ser feita sem a preparação certa e pior, com uma dor na anca direita que apareceu depois da Maratona de Lisboa e que teimava em dar sinais de vida em todos os treinos que se seguiram desde aí. E exatamente duas semanas depois de ter tido COVID. Não parecem “ingredientes” incríveis para uma “receita” de muito sucesso?

Pois bem, ainda a recuperar da COVID, organizei o Treino da Paz #259, que aconteceu a 27 de outubro. Não a convidei, mas a tal dor na anca apareceu, acompanhada de picos de cansaço que eu atribuo à porcaria da COVID. Três dias depois, aconteceu o Treino dos Miradouros, no qual fizemos cerca de 16 Km. Que é que apareceu? Exacto, a dor na anca e os picos de cansaço. Dois dias depois, a 1 de novembro, decorreu o Treino dos Treinos vQualquerCoisa “A Garcinha vai fazer um serrote”. Mais 13 Km a lutar contra a dor na anca e os picos de cansaço, fazendo-me duvidar bastante das minhas capacidades para terminar a Maratona do Porto.

Contudo, decidi mudar o chip. Por outras palavras, adotei a postura do “que se lixe”. Já estava inscrita e com a viagem paga, não podia fazer mais nada. E ao contrário do que aconteceu em Lisboa, não estava nada nervosa. E porquê? Porque “que se lixe”, estava ali para dar o melhor que conseguia e para desfrutar.

Portanto, no dia 6 de novembro, domingo passado, acordei super tranquila. Queria somente ir e fazer o que conseguisse, nem que fosse no ritmo de uma tartaruga idosa. Ainda antes de partir, vi uns quantos laranjinhas corajosos que também iam fazer a Maratona e logo aí fiquei com outro ânimo. Partir em “família” dá outra força.




E digo isto porque os primeiros 23 Km fui sempre abaixo dos 6:00 de pace. Para muitos pode não parecer nada de especial, mas para mim é extraordinário. Relembro que neste dia fazia duas semanas que tinha tido COVID-19 e estava cheinha de medo dos tais picos de cansaço. Mas a verdade é que nem deu para os sentir. E porquê? Porque a dor na anca direita chegou ao Km 3 e instalou-se para não mais deixar de se fazer sentir. Muito pelo contrário: a dor foi piorando, subiu até à “nalga” direita, desceu até ao joelho, e quando dei por mim, já ia no pé. O meu lado direito era dor e todas as subidas e descidas tornaram-se um pesadelo. Nem senti a tal “parede” como em Lisboa. No total, foram 39 Km de sofrimento, atenuados pelas vezes em que me cruzei com os vários laranjinhas em prova e consegui encontrar energia para dar aquele grito de força e bater palmas, e receber em troca sorrisos e alguns “high fives”. Obrigada a todos vocês que, provavelmente, de forma inconsciente, me deram vários “boosts” de energia.

À semelhança do que tinha acontecido em Lisboa, também houve laranjinhas que não estavam nesta prova, mas que fizeram questão de marcar presença para puxar pelos coleguinhas. E uma vez mais, lá estava a Lara Machado que gritou e bateu palmas, em conjunto com a Elizabeth Silva e com o Francisco Machado, a meio da prova (talvez? Não tenho noção da distância, era muito o sofrimento) e também antes de chegarmos à meta. Eu não sei como funciona com as outras pessoas, mas para mim, estes gestos são como os géis: docinhos e dão energia. Por isso, muito obrigada a este trio de incríveis.

Resumindo…

Fecho esta história 2 em 1 assim: em menos de um mês, terminei duas maratonas. Fiz a Maratona de Lisboa em 04:20:09 e a Maratona do Porto em 04:11:48. Sim, leram bem… Melhorei 9 minutos e nas circunstâncias que descrevi anteriormente.



Talvez agora percebam porque é que este post vem atrasado, mas muito a tempo de vos transmitir a principal mensagem: qualquer desafio pode ser ultrapassado se acreditarmos em nós mesmos. Claro que a preparação física é muito importante (e a recuperação também, que o diga a dor na anca que ainda aqui está a mandar-vos um olá), mas trabalhar a mente é fundamental. É ela que nos faz agarrar cada desafio como se fosse o último e é dela que vem a boa dose de loucura que, por vezes, nos faz sermos ainda melhores ou surpreender-nos connosco próprios, mesmo quando tudo indica que não será assim. Foi o poder do pensamento que me fez não parar durante esta última maratona e chegar ao fim, depois de 39 Km a sofrer tanto.

Por fim, quero salientar que tudo fica mais fácil se tivermos as pessoas certas na nossa vida, se não formos os únicos a acreditar em nós e se tivermos alguém que nos dê força quando mais precisamos. Assim, e para não correr o risco de me esquecer de algum nome, vou simplificar: OBRIGADA, família RUN 4 FUN

Comentários

  1. Mais uma vez muitos parabéns Débora. Acredita que tens ainda muito para melhorar na maratona. E digo-te já, vais adorar Sevilha. Adorei ler este relato, absolutamente genuíno, é a Débora que conheço. Boa recuperação campeã e até à próxima.

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    1. Obrigada, foi um relato escrito com o coração 😊
      Perante o que aconteceu, concordo que ainda tenho muito para melhorar. Mas a tua dica preciosíssima de desfrutar ao máximo ajudou-me muito em ambas as maratonas. Obrigada pela força e em Sevilha, lá estaremos para ver se temos ambos razão 😁 Boa recuperação também para ti que continuas fortíssimo e a somar Kms!

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  2. É engraçado ler isto e estar a imaginar-te a descrever ao vivo toda esta aventura!

    Sem grandes testamentos, acho que já percebeste que só dependes de ti e será sempre a tua vontade a levar-te onde poderás ir. A primeira como se diz "quase" que qualquer um faz mas tu foste lá novamente e ainda melhoraste imenso! E eu vi a tua cara e acredita que no meio daquela gente toda estavas muito mais viva que os que andavam à tua volta. Mas agora vem a terceira e como tu disseste, fazer o mesmo? tentar ver onde podes ir? Talvez nem te tenhas apercebido mas pertences a um grupo reduzido que pode aspirar a fazer uma marca bem acima da média, mas isso obriga a algo que ainda não passaste, se for essa a tua decisão de certeza terás outras pessoas para te ajudar a chegar lá que isto sozinho custa bem mais, se não for e desde que seja o que queiras também será uma ótima decisão pois é a tua decisão.

    Agora sim, com duas maratonas... Parabéns, maratonista :D

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  3. Começar pelos Parabéns!! Pela coragem de fazer uma maratona. Nunca percebi essa conversa que a primeira é fácil porque se vai ao engano.

    Eu paniquei desde o dia em que me inscrevi até ao início da prova. Achava uma loucura ir a correr de Cascais a Lisboa.

    Também partilho contigo esse golpe de energia extra no final da prova. Acho que é esse sentimento que me faz voltar a inscrever-me.

    Quanto as restantes loucuras de fazeres a maratona sem treino e a segunda com dores... És uma jovem e o teu corpo adaptou-se a mente.
    Nem sempre corre bem. Mas isso não interessa.

    Eu também acho que tens muito potencial para daqui a umas maratonas sacares um tempo canhão.

    Como é que se consegue relatar a primeira maratona?! Por exemplo assim como tu fizeste. Belo relato.

    Para terminar... Cuidado com as companhias 🤣
    Boa recuperação.

    Beijinhos

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  4. Parabéns Débora, pela conquista dupla e pelo belo relato de duas maratonas, tão pouco espaçadas entre si. Os desafios são tramados e por vezes levam-nos , como no teu caso, a fazerem coisas, antes impensáveis Tens grande capacidade mental e física e és uma jovem. Há que ir com calma e não abusar do esforço, pois que este, em excesso, pode ter consequências! Nunca tinha visto alguém fazer as suas duas primeiras maratonas em tão curto espaço de tempo e ainda por cima, a melhorar, significativamente. Parabéns de novo e estou convicto que irás baixar das 4 horas, em Sevilha, se tudo correr bem, como mereces. Runabraço.

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  5. Comentário de João Ralha

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