TransPeneda-Gerês 165k – 1ª edição
Quando o sonho das 100 milhas se torna
realidade
Foram os 2kms finais no EstrelAçor, quando estivemos perdidos no meio da tempestade (eu, a Sandra Simões e o Teodoro Trindade), que me mostraram que estava preparada para uma aventura mais desafiante. O TPG com as suas 50h de tempo limite, uma altimetria de perto de 9500 D+, abastecimentos distando cerca de 30k entre eles, com os 65k iniciais sem marcação, apenas com track configuravam o desafio que procurava.
Trail Camp Pau Capell 29/4 a 1/5 2021
O
confinamento beneficiou-me no que aos treinos diz respeito, isso e os desafios
R4F. Treinei muito, pus muitos kms nas pernas, mas a impossibilidade de mudar
de concelho limitou-me os treinos de altimetria. O Trail Camp, a um mês da
prova, depois de ter sido adiado por questões pandémicas, era o treino que
necessitava para perceber se era capaz de cumprir o desafio a que me propunha.
Em 4 dias cumprimos praticamente todo o traçado da prova, apenas fiquei a
desconhecer 25k do percurso global por não ter tido tempo de o realizar, uma
vez que os horários para as refeições, transportes e hotéis eram muito rígidos devido
à pandemia.
Apesar
de ter ido sozinha, rapidamente me integrei num grupo constituído pela Fátima e
o António Gonçalves, do Mundo da Corrida,
o Mário Fernandes, o André Raposo e o Tiago Ratinho. Cada um com ambições
diferentes relativamente à prova. Nesta altura ficou logo decidido que eu e o
Mário Fernandes íamos tentar cumprir a prova em conjunto, por termos ritmos
idênticos.
Na ressaca do Trail Camp fiquei bastante desgastada fisicamente, o que se notou nos treinos subsequentes, mas com a certeza que a prova, embora dura, era exequível. Depois começaram as ansiedades com os tempos de corte, as dúvidas, as incertezas. É um processo pelo qual tenho de passar sempre que defino um objetivo que considero ambicioso (já havia sucedido com a maratona, com os 3 dígitos e agora com as 100 milhas). Encaro isso com naturalidade, pois sei que depois de ultrapassado esse processo, ganho uma confiança inabalável que me leva à meta.
TransPeneda-Gerês The race
of the 4 castles
3 a 5/6 2021
Às 16h de dia 3 de junho saí
do Castelo de Melgaço com o Mário Fernandes para aquela que seria a minha maior
aventura no Trail. A Fátima Gonçalves e o Luís Matos Ferreira seguiram à minha
frente, cada um no seu ritmo.
A prova é bastante
diversificada, com trilhos por floresta, aldeias, single tracks, estradões,
alcatrão nas ligações entre segmentos, cascatas, subidas e descidas técnicas e
outras mais acessíveis. A seguir a um segmento particularmente difícil ou
desgastante, o Carlos Sá equilibra o troço restante, permitindo-nos recuperar.
A hidratação está sempre assegurada, pois água não falta durante o percurso.
Destaco como subidas mais
icónicas a Calcedónia e o “elevador” de Cabril. A primeira apanhou-me de
surpresa pela sua dureza, pois ainda não a conhecia, e foi feita ao sol e com calor,
a segunda era o meu Adamastor, a subida mais difícil que já fizera até então.
Aquando do Trail Camp perguntei ao Carlos Sá quando é que ele achava que
podíamos considerar que a prova estava feita. Ele respondeu-me que se
chegássemos bem ao Gerês (aos 90k), terminaríamos a prova. Mas eu sabia que a
prova só estava feita depois de passar Cabril. Talvez por isso, ou por já ter
110k nas pernas, a verdade é que na subida de Cabril tive uma quebra anímica,
comecei a pensar que a subida me ia estoirar as pernas e depois já não
conseguiria continuar a correr. Decidi preocupar-me com isso quando a subida
terminasse e, lá em cima, ao iniciar a descida, trotei por ali abaixo desejando
chegar rapidamente ao próximo abastecimento pois sentia-me bem.
Na barragem de Paradela, ao
km 124, perco a companhia do Mário Fernandes que desiste com problemas nos pés,
depois de eu já o ter convencido a avançar no abastecimento anterior. Continuo a prova com o Paulo Oliveira que se
juntara a nós antes do 1º abastecimento e com quem venho a terminar a prova.
Não consegui dormir ao longo
das 44h de prova, a adrenalina e o barulho impossibilitaram-me a
tarefa. Tive sono durante as duas noites mas ultrapassei-o com o
raiar de cada novo dia. Nunca bebi chá ou café, receei que me atacasse o
estômago. Na alimentação já não invento, faço um carbo load durante 3 dias
antes das provas XL, em prova dissolvo saquetas de Maurten em água, tomo géis
Maurten sem cafeína, comprimidos de sal com eletrólitos a cada 2h e como canja
nos abastecimentos. Para compensar o doce do Maurten na boca e não correr o
risco de enjoar, bebo água sempre que posso. Para a próxima levo uma escova e
pasta de dentes comigo.
Na meta esperava-me a Fátima Gonçalves.
Demos um abraço apertado, trocámos umas palavras e avancei com o Paulo Oliveira
para cortar uma meta sem a emoção que antecipara. Ficou apenas a sensação de
que fora mais fácil do que eu imaginara e, logo ali, decidi um novo objetivo.
Os 180k do EstrelAçor, em Outubro.
Inscrevi o meu nome no mural
dos conquistadores, um monumento que homenageia os finishers da prova, ao mesmo
tempo que inscrevi o meu nome na história dos R4F pois sou a terceira atleta a
finalizar uma prova de 100 milhas, sendo, simultaneamente, a primeira mulher.
Se eu fui capaz, vocês também
são, basta desejarem-no com tanta ambição quanto eu.
Nem mais Marina, és a maior.
ResponderEliminarParabéns rapariga, tens fibra.