A Maratona de Sevilha e o plano de treinos
ANTES
Comecei a pensar na maratona de Sevilha
muito tempo antes da data da sua realização. Para mim o desafio era fazer a maratona sem muro, não
chegar exausto ao fim e bater a barreira das 4 horas. Só cumpri o último destes
objetivos.
O meu desempenho nas maratonas não tem
variado de umas para outras e tem uma parte final penosa. Acho que é
assim com quase todas as pessoas, mas em algumas pessoas a intensidade está
mais perto do insuportável do que noutras. É tão duro que tenho uma teoria da
conspiração “a maior parte das pessoas não gosta de falar nisso, não adianta
falar”. Quem quer fazer aquela prova tem que estar pronto para passar por
aquele mau bocado que normalmente começa perto do quilometro trinta.
Antes desta maratona já tinha tentado
fazer sete em estrada, mas só tinha concluído seis, na última em Lisboa desisti
no quilómetro trinta e nove. Esta seria por isso a segunda vez que iria tentar
completar a minha sétima maratona.
Quando me inscrevi em Agosto de 2018 ainda
faltavam seis meses para a prova. Nessa altura ninguém teme o momento,
discute-se a preparação as lesões e os planos de treino. Tal como os millennials, ainda somos imortais.
O PLANO
Encontrei um plano de treinos na página Garmin Connect. Como
está associado à marca carrega automaticamente nos relógios. Foram desenhados
pela Full Potential, uma empresa que
prepara corredores para provas de atletismo, mesmo os amadores. É tudo muito conveniente.
O plano não me intimidou, pareceu acessível.
É baseado na frequência cardíaca e não no ritmo e também no tempo de treino, em
vez da distância percorrida. Acredito que este treino fica mais bem personalizado.
A base no tempo acaba por não ser muito diferente da base na distância. Já a
base na frequência cardíaca é muito diferente da base num ritmo pré-definido.
O plano executado visto no elevate. O último ponto é a maratona |
A primeira fase consiste em aprender as
zonas de frequência cárdica, estudar o nosso coração e afinar as definições. É
preciso medir a FC em repouso e encontrar a máxima. O treino vai ser todo baseado nestes dois limites FC Repouso e FC máxima. Não vou falar nisso neste texto,
mas é interessante, talvez noutro dia.
O plano tem 16 semanas com cerca de cinco
treinos por semana. A adicionar, estão treinos semanais complementares à nossa escolha e que podem ir do ioga à
natação, passando pelo pilates. Mantive
os meus treinos semanais com a Ana Dinis, com muito core e treino de
resistência, mantendo o corpo saudável e pronto para um esforço maior. A Ana para
além de ótima preparadora física, já é minha amiga há mais de 10 anos, sabe ouvir
e aconselhar. Tem paciência para as minhas teorias e dá uma orientação que, eu
sei, é sempre bem fundamentada e valiosa.
O plano permite adaptações fáceis, ou seja
trocar treinos de dia ou mesmo saltar um treino. Eu tive que saltar dois
treinos porque fiquei doente a seguir ao Natal, tive que trocar um longo de
domingo para sábado e tive uma semana em que não treinei nos dias uteis porque
estive fora. Resolvi tudo de forma fácil e não penso que o meu desempenho tenha
sido significativamente afetado por estas alterações.
EXECUÇÃO DO PLANO
Consegui cumprir o plano com a ajuda do
meu cão, o Gico, que fez quase toda a preparação comigo, falhou um longo e
pouco mais. Houve também a participação ocasional de amigos que tinham o mesmo
objetivo, como o Rui Faria e a Sandra Simões que se juntaram a um treino de séries, o João Pedro Palmela com quem fiz um treino de ritmo variado, o Ruben Costa com quem partilhei alguns treinos e o Pedro Ribeiro com quem
partilhei o maior longo de três horas. Houve também um longo de 3 horas
organizado pelo Rosete com muitos RUN 4 FUN. Todas as ajudas foram importantes,
mas o mais importante era a minha determinação em cumprir e a motivação que o
próprio plano trazia.
A Meia Maratona dos descobrimentos também fez parte do treino |
Aparentemente ninguém do meu clube gosta
de treinar séries, mas são conhecidos os seus benefícios na performance. Eu
aprendi a gostar. As séries têm uma vantagem, têm princípio e fim. Isso é o
inverso dos treinos normais por vezes enfadonhos e com muitas paragens em que dou
por mim a pensar “quando é que isto acaba”. Nas séries não temos tempo para
pensar, é dar o máximo e tentar não quebrar. É importante um bom aquecimento,
10 a 15 minutos, tentei com cinco minutos de aquecimento e não chega. Depois
quando acabam as series é arrefecer mais um quarto de hora.
Os treinos de recuperação são bons porque
permitem manter a carga sem estragar. Eles contribuem para a nossa resistência
e nota-se bem o impacto daqueles 30 ou 45 minutos no cansaço acumulado que
demora mais tempo a desaparecer.
A disciplina de cumprir o treino é
importante, mas é muito individual. Temos que sair todos os dias que estão
programados, não pode haver opção de ficar em casa. Se houver uma coisa muito
importante, mudamos o treino, mas não é para ficar em casa a ver televisão. As
opções de não treinar por vontade própria têm um custo elevado. Uma sexta-feira
em que não me apetecia sair fui fazer series com o Gico na minha pista, entre o
Jamor e a baia dos golfinhos. Chovia “a potes” eram 19horas mas encontrei
vários grupos de pessoas a treinar … é surpreendente, como é que eles conseguem.
Pois eu também consegui e nunca me arrependi de ter saído para treinar.
O cansaço apareceu na adaptação das
primeiras semanas ao treino. Depois o corpo foi-se habituando e as recuperações
foram sendo melhores.
No final do plano fiz 64 treinos de
corrida mais 15 treinos de reforço muscular em 16 semanas. Foram 100 horas de
treinos. Em media fiz 52 km por semana. Realizei 3 provas de estrada, duas de
10km e uma meia maratona e ainda os Trilhos de Penacova. A distância máxima
numa semana foram 64km.
A MARATONA
Em Sevilha antes da partida |
Tive um início de prova muito bom.
Senti-me bem e ia a bom ritmo, perto dos 5 min/km. Sempre a seguir a Z3, minha
zona de frequência cardíaca para esta prova. A partir do quilómetro 25 senti o
“motor” a abrandar e a partir do quilómetro 30 começaram as dificuldades. Tão
típico. Consegui gerir até ao 38, mas a chegada das cãibras exigiu muito de
mim. Cada vez ia mais devagar para os músculos não prenderem. Entre o quilómetro
30 e o fim perdi 1200 lugares numa prova em que terminaram 9148 atletas.
Terminei a prova com muitas dificuldades,
como quase todos, ou melhor talvez mais um bocadinho. Cometi o erro de me
deitar e as cãibras chegaram em força. Valeu-me a ajuda do Ruben que em
conjunto com o Gonçalo F Mello e o LAfonso Carvalho me estiveram a estivar as
pernas até me conseguirem por de pé de novo. Depois passou, não me deito mais
vez nenhuma no chão, mais vale cansado de pé e sem cãibras. Ainda comi uma
barra de chocolate com sal, que o LAfonso me ofereceu, não me apetecia nada mas
tinha sal.
Depois foi uma infinidade de tempo para
chegar a pé da nossa casa, com umas fotografias com laranjeiras e laranjinhas
pelo meio. Quase no fim ainda pensei em chamar um UBER, mas o tempo de espera
eram 14 minutos e o tempo de caminhada eram 11… fui a pé. No quarto depois de
descansar 15 minutos e tomar banho fiquei bom… a recuperação foi quase tão boa
como o início da prova… sou fantástico em recuperações, já na maratona de Roma
tinha sido a mesma coisa.
O CIRCUITO
Não gostei de repetir partes do percurso,
como o quilómetro 1 e 14, e achei as avenidas longas demasiado compridas. O dia
estava ideal, começamos com 6 graus e acabamos com 20. A partir da hora de
prova deixei de ter frio nas mãos e houve quase sempre opção de sol ou sombra e
eu ia variando conforme o frio que sentia. O público espanhol é aquela máquina,
sempre a puxar por nós, mesmo quando já demos tudo mesmo perto da meta não dão
tréguas “venga” “campeon”.
REFLEXÃO SOBRE O PROCESSO E A PROVA
É fácil dizer que se eu tivesse partido
mais devagar talvez … se tivesse comido mais sal … concedo, seria certamente
diferente e podia ser melhor, nunca o saberemos. Veremos como sai a próxima
prova.
Esta maratona para mim foi um sucesso.
Cumpri um bom plano de treinos, não tive lesões, consegui ficar abaixo das
quatro horas e sinto-me melhor. Senti-me observado no processo, mas acho que
não se avalia bem de fora. Quem quiser experimente, custa menos do que parece e
dá mais resultados para além do desempenho em prova. Não é uma receita que dê
sempre o mesmo resultado, somos pessoas e todos diferentes uns dos outros. Vale
a experiencia, recomendo.
Parabéns Alfredo! Decidiste, planeaste, cumpriste o treino e atingiste o objectivo de sub4 horas.
ResponderEliminarGostei particularmente deste texto porque tiveste a coragem de te expor. Todos temos medos,fraquezas,ansiedades e problemas mas normalmente não se fala muito nisso.
A barreira dos 30 km é bem real e também a sinto com muita violência! Os últimos km são-me sempre muito penosos e ainda não consegui arranjar uma solução.
Espero na próxima conseguir acompanhar-te mais uns km! Abraço
Alfredo, tinha a certeza que baixarias das 4h, mesmo sem saber que o muro se te apresenta com tanta dificuldades. Acreditava que com o cumprimento do teu plano de treinos te sentirias capaz. Cumpriste o tempo que tinhas projetado, o resto… há sempre imponderáveis. Terminar é sempre o grande objetivo. Parabéns. Resiliência, capacidade de sacrifício e de superação. É o melhor da corrida. O após.
ResponderEliminarParabéns pela prova e pelo excelente relato.
ResponderEliminarTerminar uma maratona é um marco bem forte na nossa vida (eu que o diga :) )
Abraço
MIKE
Happyrun
Belo e pedagógico relato. Obrigado Alfredo e parabéns pela conclusão de mais um grande desafio. Runabraços
ResponderEliminarGrande Alfredo,
ResponderEliminarFalaste sobre muitos aspectos. E como sempre escreves sobre todas as variantes e não deixas dúvidas.
Vou tentar deixar um comentário mais ou menos resumido. Mas não devo conseguir...
Visto que desde o momento em que soube que ias seguir um plano de treinos com séries, que mais ou menos te segui. Acho que por isso consigo mandar uns bitaites.
Foi por várias razões que quis seguir o teu treino.
- Desde logo porque reconheço a tua capacidade organizativa e determinada para que se pudesse tirar conclusões sólidas de alguém ,que conheço, que seguiu um plano de treinos com séries.
- Também pela curiosidade de saber os resultados práticos das séries.
- Também foi pelo teu entusiamo, que de certa forma chegou a contagiar-me.
- Também porque gosto de partilhar "coisas" contigo, de te ver ativo, entusiasmado, humorado...
- E as vezes porque também me saltava o pensamento... "será que o treino vai resultar com o Alfredo?... ah vai resultar!... ele está a fazer tudo como deve ser"
Do que dizes "Senti-me observado no processo, mas acho que não se avalia bem de fora."
Eu digo que tens razão.
Em relação ao treinos e ao efeito do treino só tu mesmo consegues avaliar na totalidade. Isso sem dúvida.
Até porque, atletas R4F que tenham partilhado experiências e conhecimento sobre planos de treino ou formas mais concretas de treinamento são poucos.
Para avaliar isso só mesmo um treinador que lhe desses toda a informação ou um tal de programa informático que fizesse uma análise,
Eu sou dos que não gosto muito que opinem sobre as minhas opções na corrida ou sobre o que devia ou não devia fazer ou ter feito. Mas oiço e costumo avaliar a opinião se o opinante pelo menos lê e informa-se sobre o que diz ou pela experiência.
Mas basta lermos um pouco sobre o assunto e ficamos a perceber que mesmo os treinadores experientes têm dúvidas e alteram constantemente o treino dos seus atletas à procura do modelo que lhes sirva melhor.
E os treinadores têm registos diários dos treinos e conhecem os atletas profundamente.
No Breaking2 da Nike, pessoal cheio de tecnologia de ponta, experiente em todas as áreas envolvidas na corrida desde engenheiros físicos, químicos, informáticos, ex atletas... tiveram que fazer acertos nos planos de treinos de dois dos três atletas. E mesmo assim no final do teste, em um deles erraram as completamente as expectativas.
Por isso, e quanto a isso... batatas.
Continua.... (1/2)
(2/2)
ResponderEliminarEm relação à prova, dei ontem uma olhada nos teus parciais, e dizes que estavas na tua zona de FC em Z3. Fico surpreendido com isso.
Diria que para o pace que levavas (até ao km 29) devias estar na tua Z4. E se estivesses no Z4 estavas no pace acima do teu plano. Ias a um ritmo para uma maratona abaixo das 3h:40.
Quanto a maratona ser penosa no final para todos não sei. Eu tive duas em que não foi, uma que foi pouco ou quase nada, uma com um prazer enorme, e outras foram quase todas a penar bastante.
A de domingo foi a penar a partir do km 36. Dei uma quebra de todo o tamanho. Fonix.... Passei para um pace de 6 e tal ao km e nunca mais via o fim da coisa. Ufaaa!!
E se alguém pensar de mim... "arrancaste muito rápido" tem toda a razão. Esta sei muito bem o que fiz. Depois posso contar melhor, mas tecnicamente e no momento actual, e sem querer, foi a coisa mais inteligente que fiz e onde tirei uma nova ideia para quando quiser fazer uma maratona e bater o PBT.
Resumindo...
- Acho que fizeste um excelente plano de treinos.
- Acho que és único no grupo com essa capacidade tua de partilha, disponibilidade de tempo e vontade para partilhar temas e assuntos diversos como: tecnologias, novidades, tendências, ideias, relatos...
- As vezes és um pouco descritivo de mais mas percebe-se que assim mitigas as dúvidas.
- Não tenho a capacidade de avaliar se o plano de treino seria ou não o adaptado a ti.
- Continua a partilhar connosco as tuas ideias.
- Pensei que podias trazer de Sevilha um resultado entre as 3h:35 até 3h:50 mas já aprendi que as maratonas são uma caixinha de surpresas.
- Consideras que foi um sucesso e muito bem enquadras a maratona no plano global dos treinos, sem lesões, motivação, objectivo.
- Com esta aprendizagem não tenho dúvidas que na próxima vais fulminar as 4h.
Acho muito bem que tenhas incluído o GICO no relato. Ele tem créditos infinitos. ;)
És grande "Alfredinho" e fico muito contente por ti.
Venha a próxima...
Vê lá ai.. apanhado no minuto 2:25 a alongar.
https://www.youtube.com/watch?v=7NrRHKCArKo&feature=youtu.be&fbclid=IwAR04fbQdtGqgi1j0qXA5hTnKcmXGb1ogSt_esG4BwTOEugzk80YW7G_Cv_I