A minha Primeira

Autora: Sandra Simões
Data: fevereiro 24, 2014


Num dia em que estamos irritados o que fazemos? Obviamente que nos inscrevemos numa Maratona sugerida (insistentemente) pela Rute Fernandes. E a seguir? Obviamente o My Asics, e acabamos com os trilhos, as pedras e os pés torcidos. E chateamo-nos, de morte, a seguir disciplinadamente o plano para os 42,195 km. Obviamente, treinamos muito e descansamos ainda mais, comemos hidratos e não tocamos em álcool. Todos os treinos foram feitos à revelia do que supostamente deveria: carregar km, sim, mas variados, em termos de piso, tipo de treino e até de pessoas. Todos me deram prazer e divertimento. Até os 3 longões foram feitos sem um esforço muito doloroso, dado o contexto, os objectivos e a companhia. Para Sevilha iria no autocarro R4F, no sábado, mas optei pela hipótese de ir um dia antes, para descansar da viagem, antes da Maratona. Chegados na sexta à noite, uma troca de táxis, uns atrasos, e à meia-noite não havia uma única Bodega Espanhola, que desse jantar a cinco portugueses esfomeados. Encontrámos a única comida: duas fatias de pizza. A seguir? Obviamente dormir. Sim! Mas dois bares e 1 discoteca depois e dormida, às 05h.30. Acordei às 9h.30, com dor de cabeça monumental apenas com consumo de água a noite inteira. A seguir, 4 km de corrida para esticar as pernas e seguir para levantar os dorsais. A fila para a Pasta Party, do último turno (como qualquer bom português) era imensa mas a comida fantástica e ambiente contagiante.



Dia da Maratona: já na Partida, muita adrenalina, vontade de correr e curiosidade quanto à forma como o corpo e a cabeça reagiriam à distância, ou à dor, e se iria conhecer o famoso muro. Salvo se houvesse algum problema, não duvidava de que acabaria a prova. Restava saber se seria dentro do objectivo, as 04h.30. Avançámos a Patrícia Calado, a Paula Fernandes e o César Oliveira e eu com o objectivo do pace de 6m/km. Ouviam-se gritos de apoio por todo o lado e gritávamos orgulhosamente “obrigada”, e a conversa ia boa, com disparates, brincadeira e boa disposição. O César Moreira, espectacular, oferecia-se para ir buscar água às meninas, nos abastecimentos, e punha-nos travão quando nos entusiasmávamos com los hermanos. Perto dos 21 km senti-me a quebrar com o ritmo imposto, o que piorou quando pensei que faltava o dobro. E via as pernas de 2 metros da Patrícia e do César a afastarem-se, mas no controlo dos 21 km, reagimos e apanhámo-los de novo. Por volta dos 29 ou 30 km, a Paula começou algumas dificuldades e hesitei entre reduzir o ritmo, numa altura em que me sentia ainda bem, ou se arriscava acompanhar o casal perna-longa, correndo o risco de fazer sozinha os últimos km. E nada como conhecermos muita gente, e da boa! Uma das companheiras de copos da sexta-feira, a Sónia Tubal, surgiu e o Rui Ralha, que já nos acompanhava desde os 25 km, ficou com a Paula. Sentia as pernas, e a respiração, bem, mas o calor estava a ficar insuportável, para quem lida mal com ele, na corrida. A solução era agarrar sempre dois copos, um para despejar na cabeça e outro para beber. Aos, penso, 35 km entrámos no Parque Maria Luísa, e demos a volta em frente à Praça de Espanha e começou aí a parte mais bonita do percurso. Nessa altura a Patrícia e o César estavam a uns 200/300 m e dava para os ir seguindo sempre, graças às camisolas mais bonitas das corridas-a laranja. Recomeça o concentrado de multidão e as palavras gritadas: “animo”, “venga”, “campeona” e chamam o nosso nome. A força regressa e as pernas retomam o ritmo que começava a diminuir. Faltam 6/5 km. Algumas pessoas do público eram tão participativas, que até caminhavam de costas no meio da zona de percurso, com um passeio ao lado com 10 m de largura, ou atravessavam bicicletas no caminho. Aí tivemos que ter uma Interacção Ibérica, física, e tive que descarregar os 37 km das pernas numas palmaditas nas costas e numas frases simpáticas como “sai da frente idiota”. Eu sei que os convidados devem ser educados na casa anfitriã mas os km acumulados e talvez, ainda, as invasões filipinas levaram-me à acção directa. Aos 38 km comecei a sentir verdadeiras dores, na parte de cima, frontal, das pernas e pensei que 4,195 km ainda é muito km. E comecei a preocupar-me: isto são dores de carga excessiva ou são as famosas caimbras? Tomo o pacotinho cinzento, ou não? Comer sal a esta hora? Não, acho que caimbras prendem as pernas por isso, segue e aguenta Sandra, faltam 2 e pouco. Nessa altura surpreendi-me com as dezenas de pessoas que já iam a andar. Na volta para trás, os neurónios e a educação sofrem nova fraqueza e a F-Word, sai da boca, sem eu querer, apoiada pela Sónia Tubal, de imediato. Obviamente, como sempre nestas situações, dois portugueses ao nosso lado. Decidido que, que a partir dali, palavrões só em estrangeiro, em espanhol, para ficar dentro do contexto, e comigo anónima. Seguindo, com dores, o estádio está escondido da visão, por um viaduto, e não se vê o objectivo. Onde raio está o fim? Aparece, finalmente, ali já à direita. Vamos lá soltar o cabelo para ficar bem nas fotos da meta da primeira maratona (coisas de gaja). Vem a rampa, a descer. Afinal, uma descida pode custar muito a fazer, quando dói tudo. Entrada no estádio e nova força nas pernas. Voamos (deixem-me imaginar que sim) até à meta. No último momento não me apeteceu dançar, como tinha planeado. Só queria pisar aquela tapete azul e realizar que consegui fazer 42,195 km!!! Em 04:17:15!!! Sem nunca parar de correr, com excepção dos abastecimentos. Não consigo beber água do copo, a correr, sem que me entre pelo nariz.




A conclusão: gostei da experiência e vou repetir, sem qualquer dúvida. Gostei de perceber as dificuldades na cabeça e as reacções, ou falta delas, e no corpo, nos vários momentos da distância. Não foi tão difícil quanto pensei que seria, mas é muito dura. Ajuda muito ter companhia, porque nos abstrai das dificuldades e nos dá força, quando fraquejamos. Gostei de sentir que há energia residual para mais um bocadinho, quando achamos que acabou. Não percebi se choquei contra o muro excepto se este tiver a forma de dores fortes nas pernas associado a um momento em que pensamos se as mesmas nos irão fazer parar, mais à frente, antes da meta. Adorei o ambiente e o apoio espanhol, a companhia dos amigos, a adrenalina, o apoio de todos aqueles que, de longe, torciam por nós, como é o caso do Grande Padrinho Gonçalo Melo, a quem devo tudo isto pela insistência em juntar-me a um grupo de corrida. Este grupo de corrida. Mas também devo o apoio, e agradeço, especificamente, aos elementos do Treino da Garça, dos Trilhos do Costume de Monsanto, do PR, do R2P, dos 3 longões de Lx, VFX e Cascais, que não enumero, porque são muitos, mas todos sabem. Obrigada por terem estado presentes num percurso para atingir, que não é mais do que um de milhares de objectivos na nossa vida, mas que, no dia de hoje, parece ser a mais importante. E que vale tanto por ter sido atingido, com as dificuldades associadas. Amanhã virão outros. Talvez depois de amanhã…hoje dói tudo. Mas tudo foi feito com divertimento e apenas isso (me) interessa.

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