A minha primeira Maratona.
Antes da maratona
O processo de decisão foi difícil. A minha lesão do tendão
de Aquiles, que felizmente deixou de dar sinal, limitou parcialmente os meus
treinos durante o ano inteiro. Apareceu em Janeiro de 2012 e só em Novembro
começou a regredir seriamente. Já não estava com limitações nos treinos desde o
verão, mas eu treino pouco e só a partir dessa altura comecei a incrementar a
distância.
Por causa da lesão, o meu objectivo 2012, de correr 10km em
45 minutos não tinha evoluído, mantive os 48, e não estava com expectativa de
conseguir baixar nas difíceis provas São Silvestre que restam até ao fim de
2012. Talvez fazer uma maratona pudesse ser uma boa substituição.
Surgiu a oportunidade de fazer um treino de 26kms de
preparação para a Maratona. O treino foi organizado pelos Rail Runners e
percorria toda a maratona exceto a parte entre o Terreiro do Paço e Algés. Eu
só estava inscrito na meia maratona, mas precisava de um treino longo, até para
fazer para atingir os 125km de Novembro. Tinha estabelecido nos meus objectivos
aumentar distância e fui impondo valores gradualmente maiores. No fundo estava
a pensar numa maratona, mas em 2013, ainda não sabia qual. Podia ser a do
Porto, quase daqui a 1 ano, ou uma internacional.
O primeiro longão foi uma maravilha, manhã fresca, um grupo
grande e o ritmo mais acelerado do que estava à espera. Fiz os 26kms e pensei
que um bocadinho mais devagar ainda conseguia fazer mais. Afinal eram só mais 4
kms do que a distância que eu costumava fazer nas meias maratonas.
Falta uma perninha ao longão
A seguir surgiu a oportunidade de fazer um longão de 35kms
numa sexta-feira à noite. O Raul e a Mónica estavam a organizar e eu dei uma
mãozinha na parte dos mapas e do percurso. Desde os tempos do BTT que gosto de
tratar do desenho e estudo de trajetos. Assim foi, no meio de uma grande
excitação, partimos da Expo até Belém e regressamos pela Almirante de Reis. O
Orlando e o Ricardo Vales juntaram-se a nós e lá fomos os cinco. Consegui que a
Marta e a Leonor nos fizessem um abastecimento nos 16 kms. É sempre bom sentir
o apoio da família nestes projectos malucos de começar a correr às 20:00 para
fazer 35kms.
O início foi fantástico, quase uma antevisão do que seria a
maratona, só que aqui fui mais disciplinado no andamento. Combinamos 5’45”/km e
foi assim que partimos. Claro que tivemos que refrear a Mónica que estava com
muita energia, ela estava mesmo bem preparada. Até aos 22kms fomos sempre a
conversar, acho até que os meus companheiros de jornada já tinham os ouvidos
cheios da minha conversa, mas foi muito bom. Quando iniciamos a Almirante de Reis
as pernas começaram a queixar-se, mas lá fui, a partir de meio comecei a perder
distancia e chegar ao fim foi difícil, mas consegui. A partir do Areeiro,
quando voltamos para um caminho plano, notei que estava com dificuldade em
manter o andamento. Mas foi quando já descíamos para a Expô, teoricamente a
parte mais fácil, que comecei a perder velocidade até que, já com a Gare do
Oriente à vista parei! O relógio marcava 31,7kms. Nunca tinha desistido sequer
de um treino. Mas ali estava sozinho, parado na Gare do Oriente. Parecia quase
o programa da televisão “sobrevivência”. Mas eu estava preparado tinha uma nota
de dez euros. Apanhei um táxi e encontrei os outros quatro no final do percurso.
O Orlando que já tinha ido de carro buscar o Ricardo, que tinha sentido uma
picada no pé e não quis arriscar, perguntou-me porque é que eu não lhe tinha
telefonado. Fiquei sem resposta, acho que a cabeça não estava em modo on. Comuniquei-lhes que ia manter a
minha inscrição na meia maratona e que ainda não me sentia preparado para a
maratona. Afinal aquele tinha sido o meu grande teste.
Os meus amigos protestaram. O Orlando disse que “na corrida
é diferente”. O Franco Wudich disse que também tinha feito a sua primeira
maratona numa decisão de impulso e que tinha chegado ao fim, que valia a pena
arriscar. Eu tinha conversado com ele no final da Meia maratona Vasco da Gama
sobre a dificuldade de fazer uma meia, quanto mais uma maratona. O Gonçalo F.
Melo disse-me que recentemente também tinha desistido num treino longo, mas que
isso não me devia fazer desistir da maratona. Recebi muitos outros bons
conselhos, mas estes marcaram mais. Sabia que não tinha seguido um plano
específico, que os quilómetros mensais que estava a fazer, em media 120 eram inferiores aos recomendados, o João
Ralha disse-me depois que deveriam ser em torno dos 180kms.
Resolvi retroceder e dar tempo para digerir a ideia. Acho
que já sabia qual iria ser o resultado mas não me queria precipitar. A estocada
final foi ouvir da boca da minha professora de ginástica, Ana Dinis, que eu
estava pronto para a prova, fiquei sem argumentos. Uns dias depois troquei a
minha inscrição da meia para a maratona. Não fiz anúncio público, mas fui
dizendo aos amigos com quem ia estando. A decisão estava tomada e não havia
retorno.
Antes da prova ainda fiz dois treinos memoráveis, os 18kms
dos Chafarizes e o último treino da Vela Latina numa noite de frio, chuva e
vento. Nós fomos e voltamos, ao todo vimos oito malucos a correr entra a Vela
Latina e a Ponte sobre o Tejo.
A maratona
Nos dias que antecederam a maratona dormi mais do que é
costume. Na véspera apesar de ter uma festa só bebi uma cerveja mini. Claro que
o jantar foi massa e o pequeno-almoço também.
Às 8:00 o Gonçalo foi-me buscar a casa de carro. O dia
estava frio, 9º, mas menos frio do que as previsões dos dias anteriores
estimavam. Ia aquecer até aos 12º às 13H. Estava um dia bom para correr, apesar
de que um par de graus acima seria melhor. Mas não choveu e estava pouco vento.
À chegada ao estádio do Inatel reparei na longa bicha para a casa de banho. Que
sorte que eu não tenho desses problemas, mas para muitos corredores é inevitável
uma última ida ao WC imediatamente antes da prova. Dos corredores R4F eu era o único
com mochila de água, mas não me arrependi, só leva 800 ml e deu para gerir bem
a ingestão de água, aproveitando os abastecimentos da prova, e tive sempre água
disponível até final da prova, o que me dá segurança. Fui com os meus sapatos
minimalistas e verifiquei que já somos três R4F. Os outros dois são muito mais
rápidos do que eu, por isso garanti que se terminando a prova ficaria em 3º dos
barefoot runners.
Antes da partida falei com os outros estreantes sobre o
ritmo que devíamos imprimir, o limite que devíamos ter. Mas afinal não cumpri
nada do que combinei. Arrancamos e ia a sentir-me muito bem, solto, sem esforço
e deixei-me ir. Temos que ir ouvindo o corpo e ele estava a dizer-me que podia
ir assim sem por em risco o desempenho na prova. Acabou por se formar um grupo
tagarela, o César, o Gonçalo FM, o Miguel SD e eu. Até à Rotunda do relógio fui
calado. O relógio avisava que ia com as pulsações acima de 180bpm. Na rotunda
comecei a falar e como que por milagre as pulsações baixaram para 140. Afinal
falar tem alguma utilidade. Íamos mesmo bem. Fomos muito tempo atrás da
bandeirinha das 4 horas, que ia a um ritmo mais rápido do que parecia devia ir.
Até que em Telheiras deixamos a bandeirinha para trás e seguimos. O Gonçalo
queixou-se que aquele percurso em Benfica é feio e assim fomos falando de
trivialidades como os croquetes do califa.
Alguns espectadores faziam muito barulho, eram
invariavelmente estrangeiros, com bandeirinhas dos seus países que íamos reencontrando
quando se deslocavam acompanhando os atletas que aplaudiam entusiasticamente. Que
pena serem tão poucos. Só tivemos um banho de multidão nos 20 metros antes da
entrada do estádio, em menor número no Cais do Sodré. Aí o Gonçalo falou da sua
experiência em maratonas em Espanha em que a multidão leva ao colo os
maratonistas a prova toda.
Na descida da Av. da Liberdade vimos o Homem Vaca e o Super Herói.
Ainda mandamos umas bocas, mas eram franceses e não ouviram o que lhes
dissemos.
[Foto de Paulo Martins]
Chegamos então à parte que eu mais temia, a ida e volta do
Terreiro do Paço a Algés. São 16km sempre em frente e planos. Quase no final
estava a Marta e Leonor e o Manel à espera de me ver passar. Lá fomos, passando
em Santos pela partida da Meia maratona.
[Foto de Rita Felizol]
Pé ante pé, sempre em animada conversa, aproximamo-nos do
CCB (Centro Cultural de Belém) e lá estavam os Falcão, que alegria foi vê-los.
Não sei explicar porquê mas fiquei comovido. Não consegui abrir a boca durante
uns cinco minutos.
[Foto Marta Falcão]
Até ao retorno em Algés fomos encontrando outros Run 4 Fun e
outros amigos, uns da meia e outros mais rápidos da maratona. O Miguel disse ao
Paulo Martins “Grande Máquina” e este tirou a máquina fotográfica e tirou-nos
uma fotografia, foi mesmo cómico. Quando começamos a regressar também nos cruzamos
com outros amigos da corrida e vi então alguns companheiros da estreia, a Mónica,
que vinha sozinha, o Raul e o Rogério que vinham juntos (não sei qual era a
ordem, mas é pouco importante).
O Miguel foi-se afastando e o Gonçalo quis ficar comigo para
me ajudar. Na altura ainda não parecia, mas a sua ajuda iria torna-se muito
importante dentro de pouco tempo. Há medida que nos íamos aproximando do Cais
do Sodré era obvio que estava a perder ritmo. Começamos a ser ultrapassados, o
que tinha acontecido poucas vezes até ali. Pouco antes do Cais do Sodré parei
para comer uma Laranja, já o Gonçalo estava parado à minha espera. Atravessamos
o Cais do Sodré onde estava o Paulo Marcos a Inês e o Miguel Correia. O Paulo
fez um número arriscado e colocou-se no meio da pista para fazer um “hi five”. Concluíram
que nós não precisávamos de ajuda (eu disfarço bem) e lá seguimos.
No Terreiro do Paço vimos surgir o Jorge Pinheiro do lado
esquerdo. Foi estranho pois ele ia muito à nossa frente, algo se tinha passado
com ele. Foram caimbras, que o acompanharam até ao fim da corrida. O Homem mola
arrancava e passado algum tempo tinha que fazer alongamentos para conseguir
continuar. Foi assim a Almirante de Reis toda. Algures encontramos também o
Orlando com problemas no joelho. O João Veiga passou por nós em bom ritmo no
Terreiro do Paço e não o vi mais antes de cortar a meta. Ainda encontramos o Zé
Magalhães que se debateu valentemente com a famigerada Almirante de Reis, sem
ter ficado satisfeito. Para o ano que vem não escapa, vamos alisar a Almirante
de Reis (se a maratona ainda lá passar).
Chegados ao Areeiro, depois de muitos pedaços a andar
retomamos a corrida. O Gonçalo ia aconselhando os pontos de corrida, eu às
vezes antecipava e outras vezes não aguentava. Apareceram umas ameaças de caimbras
a transformar aquele ritmo miserável de 8min/km num ritmo ainda mais miserável.
Mas não parámos, mas depressa ou mais devagar fomos sempre andando/correndo.
Tinha combinado que o meu filho Manel me apanharia no inicio
da Rio de Janeiro para fazermos juntos o fim da minha primeira maratona. Mas
eles estavam antes, no cruzamento da EUA com a Av. de Roma. Lá o apanhei, ele
estava fresco e cheio de energia, mas as minhas pernas já não davam para
grandes acelerações. Já na entrada do estádio passamos a multidão ruidosa e
entusiasmada que estava à porta. Eu não sabia como iria reagir a organização à
entrada do Manel e num ano anterior já tinha assistido a uma cena triste dum
segurança a tentar impedir uma criança de acompanhar o pai. Mas correu tudo
bem, nem se mexeram e passamos os três. Cortamos a meta juntos, no meio dos
aplausos e gritos dos amigos Run 4 Fun. Eu estava meio comovido, mas estava a
conter-me, talvez por isso tive poucas palavras para dizer aos meus amigos que
tão entusiasticamente nos receberam.
[Foto Marta Falcão]
Fiquei contente por ter terminado. Devo muito ao
Gonçalo que sacrificou a corrida dele pela minha. Recebi também uma grande ovação
dos meus amigos, muitos a lembrarem-se como tinha sido o final das suas
primeiras maratonas e outros a vibrarem com a emoção de uma maratona terminada.
Sou maratonista. O tempo foram 4:10, mas foi pouco relevante, no sentido que importante
era terminar e eu terminei!
[Foto Rita Felizol]
Comovente, tal como a sensação de fazer a maratona - acho que todos sentem o mesmo. Inesquecível! Parabéns Alfredo
ResponderEliminarGostei muito do teu relato, Alfredo. E também de te ver chegar à meta final! Muito emocionado que estavas, junto com o teu filho! Estes momentos são mesmo impagáveis; só quem os vive é que sabe. Parabéns, mais uma vez, Maratonista!
ResponderEliminarMuitos parabéns Alfredo.
ResponderEliminarCom maior, ou menor dificuldade, está feita!
O teu relato está brilhante e muito emotivo.
Fico muito satisfeito por fazer parte dos que contribuiram para a tua tomada de decisão mas é preciso não esquecer que foram as tuas pernas e a tua cabeça que conseguiram este feito.
Obrigado pela partilha Alfredo.
ResponderEliminarBelo relato, cheio de intensidade e emoção.
Gostei muito de o ler.
Muitos parabéns por mais esta conquista, será seguramente um momento que ficará para sempre e de uma forma muito emotiva "dentro de Ti".
Runabraços
Parabéns Alfredo.
ResponderEliminarO que consegues fazer com o pouco treino que tens é muito bom.
Foi uma grande conquista, plenamente merecida.
Para mim é sempre entusiasmante ler e ouvir os caminhos percorridos para alcançar os objetivos que são traçados.
Um grande abraço,
AC
Obrigado pela partilha. Bonito texto. A primeira já está, venha a próxima. Para o ano a almirante reis já não faz pare do percurso, ainda bem.
ResponderEliminarParabéns Alfredo,
ResponderEliminarGrande prova e um belo relato.
Afinal não disfarças sempre muito bem. A tua emoção era muito genuína quando chegaste ao pé de nós.
É de realçar o nosso amigo Gonçalo Melo, que como mais uns quantos atletas da nossa equipa como o Nuno Dias de Almeida, e o Eduardo Correia abdicaram da sua corrida para "rebocar" outros companheiros.
Um bem haja muito grande, para todos eles.
E agora, venham mais umas quantas maratonas, uma de cada vez...pois claro
Runabraços
Muitos parabéns. Agora já só falta fazeres a 2ªmaratona para te tornares MARATONISTA.
ResponderEliminarFantástico relato Alfredo.
ResponderEliminarSempre soube que mais tarde ou mais cedo, a Maratona não te podia escapar.
Nunca mais serás o mesmo.
Parabéns pela vivência.
Que venham mais 'motivos' destes que te façam escrever com esta vontade.
RunAbraço,
NDA
Parabéns Maratonista!
ResponderEliminarAquele final foi emocionante e é uma sensação que marca. Vale bem a pena o esforço despendido por aquele momento.
A próxima Maratona, já pode ser preparada com alguns ajustes na preparação e na tática, limar algumas arestas, a partir da experiência agora vivida.
RunAbraço.
Caro amigo maratonista,
ResponderEliminarParabéns pelo excelente desempenho de estreia num circuito que não tem facilidades. Podias ter adiado, podias ter escolhido uma prova com percurso mais agradavel, mas ainda bem que não o fizeste porque assim a vitória é bem mais saborosa.
Obrigado pelo emotivo relato, é sempre um prazer ler os teus textos.
Parabéns Alfredo.
(um abraço ao Gonçalo)
Parabens pela excelente prova mas principalmente parabens por apesar da contrariedade no longão não teres desistido e como ves valeu a pena.
ResponderEliminarMais virão e tu sabes consegues
Parabens Maratonista
Sentido relato, emocionante, com dizia o Rui num comentário anterior.
ResponderEliminarE agora que o teu filho não dá hipóteses nas corridas mais curtas...tens a Maratona, qual reduto digno de um Carlos Lopes (com o seu Mamede) ou Gebrelassie (com os outros quenianos e etíopes mais jovens...)!
Parabéns!