24 HORAS A CORRER MEM MARTINS
24 Horas a Correr Mem Martins…
Um percurso de 1,66 km, circular,
com alcatrão, passadiço de madeira irregular e tojo e canas cortadas.
Um mês e meio depois continuo a tentar
perceber porque me inscrevi e o que senti.
Primeiro…estranha-se. Depois entranha-se...de
uma forma…não sei bem qual. Ainda não sei.
As edições anteriores eram
gabadas pelo Teodoro Trindade e Jorge Esteves: boa comida, boa organização, bom
espírito. Seria correr, comer, conversar, ir dormir a casa, voltar, correr,
comer e conversar.
Como tenho o objectivo pessoal de
terminar provas com mais de 42 km, decidi inscrever-me, sem pensar muito e
ponderando as vantagens: estava a 20 km de casa, faria 30 km no dia 9/04 ia
dormir a casa, e regressava na manhã seguinte para fazer mais 15 km
aproveitando a companhia do meu pai, nos últimos 5 km. Seria uma prova de 45
km, sem custos de deslocação, refeições ou dormida. E sem grande cansaço.
Iria ter a companhia do Teodoro,
nas 24 Horas, e do Francisco e Lara Machado, na maratona nocturna.
O primeiro momento divertido –
MOMENTO-KIT- veio com a mensagem do João Campos:
Kit? Mesa? Gambiarra?
No dia 28/03, aconteceu o MOMENTO-LAVAGEM
DO CABELO:
Não sei como, nem porquê,
aconteceu. “Então e se…?”
Entre Outubro de 2018 e Outubro
de 2020 fiz quatro provas de ultra endurance, com 100 km ou mais: EstrelAçor,
Épic Azores, Sicó e, novamente EstrelAçor. Cansam, moem, exigem treino e tempo e não me tem apetecido investir tanto esforço.
Por isso tenho optado pelas
provas com distância ultra, ou seja, com mais de 42 km.
A adrenalina das provas tem
estado morna. É uma temperatura agradável. Não dá picos de aquecimento nem arrepios
na pele. É apenas…agradável.
Dia 28/03, a 11 dias da prova: o
amaciador precisa de 5 minutos para fazer efeito. Não há nada para fazer.
Divaga-se…”Então…porquê 45 km? E se arredondasse para um número bonitinho?
São 24 horas, sem subidas, sem piso técnico, sem barreiras horárias…5 provas de
100 km no currículo, Sandra Simões”…o amaciador continua a fazer efeito …(mais
2 minutos)…vai amaciando o cabelo e as dificuldades. “Mas das outras vezes
tinha treino, muito treino”. Os treinos têm também sido mornos…agradáveis.
Decidi pedir um conselho a alguém
ajuizado, que me mantivesse no plano inicial dos 45 Km: Teodoro Trindade.
Ok, siga para o novo plano!
No dia 4 de Abril, segunda-feira,
o Rui testou positivo à Covid e pensei que, inevitavelmente, também estaria. Até sexta-feira, fiz dois testes, ambos
negativos. Bora!!
Sábado, 9/04, chego a Mem Martins com o meu kit: troley, puff e tenda. O espaço parecia um campo de escuteiros, mas com pórtico.
Enquanto armava a barraca
chegaram o Teodoro e o Luís Afonso. O Luís inscreveu-se na semana anterior (“Luís,
também usas Kerástase? Quanto tempo deixaste actuar?”).
Chegam a Lara e o Francisco
Machado e estendem-se a ver o espectáculo.
A prova das 24 Horas começou ao
meio-dia: 38 ratinhos repetiam voltinhas de 1,66 km, cumprimentando-se, fazendo
comentários. Os ratinhos
Quando tinha fome ou sede ia à
tenda e abastecia-me, apesar de a organização disponibilizar comida, bebida, e
qualquer outro apoio necessário.
E, prova que é prova tem o apoio
da família R4F: Cândida, Gonçalo, Cristina, Francisco, Ana Melo, Orlando,
Elizabeth e Rute Fernandes (alguma vez vos disse que gosto muito de vocês e do
vosso apoio generoso?) estiveram presentes.
Os meus pais apareceram de
surpresa, quando tinha 60 km:
- “Fizeste 60 km e estás a
correr? Olha, olha….nem sei que te diga. Já comeste? Queres que te vá comprar
um bolo? Pára lá um bocadinho. Não tens frio? Trouxeste um casaquinho para a noite?
Esta rapariga dá-me cabo dos nervos”.
- “Relaxa mãe…olha este é que
é o Teodoro, ele é que é maluco”.
Às 20:00 aparece o Santo Rúben: mesa
de campismo, embalagens com frango assado. Jantámos divinalmente. Obrigada!!!
Soube tão bem.
Às 22:00 o Teodoro e o Luís
Afonso recomendaram-me efusivamente as massagens. A organização disponibiliza
um massagista, durante 24 horas, para qualquer atleta, e sem limite de sessões.
Regressei ao circuito com uma lombar renovada e uns gémeos renascidos.
À meia-noite partiu a Maratona.
A Lara nunca tinha percorrido esta distância mas deve ter recebido o cartão do Monopólio: “vá directamente da casa 10 km para a casa 42 km, passando muito ligeiramente na dos 21 km”. Foi uma mulher corajosa e determinada aventurando-se a correr à noite, com muito frio, num piso que não lhe é familiar e cumpriu o objectivo de terminar antes das 6 horas. A valentona fez 1º lugar da geral feminina e ficou à frente de todos os milhões de mulheres, e homens, que ficaram em casa
Os rapazes também se portaram
muito bem: Francisco Machado, fez segundo lugar da geral masculina, e o seu
segundo melhor tempo na maratona, o Fernando Rosete e o Carlos Jesus responderam
ao novo desafio de fazer uma maratona nocturna onde só 50% do piso era em
alcatrão. Não houve frio, nem descanso, nem piso que os detivesse.
Às 00h:40 disse ao Teodoro que ia
tentar dormir um pouco na tenda. Respondeu-me: “eu vou só dar mais umas
voltinhas”, o equivalente a, em linguagem Teodotrail, “Só vou
dormir quando completar os 100 km”.
A adrenalina e as conversas dos
atletas tornam impossível a dormida. Uma hora depois ouvi o vizinho Teodoro a
ir para a tenda e o vizinho Luís a dizer que ia voltar para a corrida. Decidi
fazer o mesmo. Estava imenso frio e o nevoeiro cerrado criava um ambiente de
que gosto imenso, com uma aura de mistério. Os ratinhos continuavam a
cumprimentar-se com um sorriso mais desvanecido e a cabeça mais baixa. Já os nossos atletas da
maratona continuavam vivazes.
O Rui ia seguindo a prova no
computador. Sabia que eu dormiria no dia seguinte e manteve-se acordado durante
a noite, para me acompanhar.
Tenho um apagão na cabeça das 02:00
às 06:00. Seguia com o Luís mas perdi a noção do tempo e do espaço. Pensei
terem passado 20 minutos, desde que recomeçámos, quando fomos ultrapassados por
um atleta que disse: “Atão boa noite”. Olhei de lado e vi que era o
Teodoro. Afinal, dizem que já tinham passado umas horas.
Isto foi estranhíssimo …estou
sempre bem lúcida nas provas de ultra endurance na montanha: tenho perfeita
consciência do espaço, das horas, da envolvência, da noite, das minhas
sensações. Sinto tudo e gravo tudo. Ali, pelo contrário, e a partir dos 80-85 km, senti-me transportada
para um episódio dos X-Files. Pairava num espaço conhecido mas desligada do meu corpo.
A parte muito positiva: damos voltas iguais, repetidas, com apagões mentais, mas estamos sempre acompanhados. Há sempre atletas à vista e a tenda, o apoio, a organização está à distância de 1 km e pouco, o que não acontece em qualquer outra prova, onde se passam km sem ver vivalma. Ia trotando e andando. Mais uma volta.
Tínhamos uma estratégia: correr na parte do alcatrão, até à rotunda, trotar ou caminhar a partir daí.
A prova é monótona? Sim, é. Mas
mais do que uma maratona de estrada? A sensação que tenho é que, em ambas as provas, a monotonia é exactamente a mesma, independentemente de, nesta, andar em círculos
Às 06h:00 começou a prova das 6
Horas.
Amanheceu e, como sempre,
amanheço também. Sou um girassol na corrida. Levantou-se vento forte e frio e
telefonei ao meu pai aconselhando-o a não vir à prova das 3 Horas, que começava
às 9h. Tive pena, teria feito pódio no escalão, com 81 anos.
Confirmei junto da organização
quantas voltas tinha e percebi que em vez das 4 que faltavam, era preciso fazer
6 (aparentemente esta situação repetiu-se com outros atletas, a quem não foram
contabilizadas todas as passagens).
O Rúben e a Margarida Marques
Pereira chegariam por volta das 9h:00, com o pequeno almoço (benditos sejam) e,
aos 101 km, com 61 voltas, parei a atirei-me para o puff. Pão fresco, máquina
Nespresso, queijo, queijo-fresco, bolo de mel (aquele, o da Margarida!!!!),
salmão, morangos, laranjas…!!! Rúben e Margarida, VOCÊS SÃO OS MAIORES
CARAGO!!!!!
O Luís também já tinha completado
os 101 km estreando-se nos três dígitos. A Margarida chama o Teodoro para ir
comer. “Já vou, é só mais uma voltinha” e teca-teca-teca-teca,
continuava a correr. Nova volta, com passagem pelo abastecimento e arranca
outra vez. E arrancou. E arrancou. E arrancou. Até ao meio-dia. Pow-pow: 136,12
km! 82 voltas no lombo do Sr. ALUT.
A essa hora, os atletas em prova
alinham-se, em animada cavaqueira, atrás do pórtico e, à hora exacta,
atravessam-no a correr.
RUN 4 FUN encheu o pódio mais umas vezes:
Nas 24 Horas compareceram 31
atletas e apenas um fez a distância inferior à ultra (23,24 km. Todos os
restantes 30 fizeram mais de 44,82 km). E 22 atletas fizeram mais de 100 km.
O ambiente nas tendas é de festa
e, quem ali está, vai apoiando os que passam.
Ora, uma pessoa que gosta de
trilhos, e que odeia repetir o mesmo local de treino, vai fazer 61 voltas
iguais…porquê? O formigueiro…o maldito formigueiro…o desafio... o desconhecido...o auto-teste…as
tendas, o kit, o puff…a malta, a NOSSA malta.
Talvez porque o número 100 atraia e porque este era uma aposta segura, num ambiente e espaço controlados. É o que fazemos na vida: damos largas a pequenos formigueiros na rotina diária, para aquecer ou arrefecer um pouco a temperatura.
Este é um desafio muito
interessante para um clube coeso, como o nosso. Podemos optar por uma de 4
provas: 24 horas, maratona nocturna, 12 horas, 6 horas e 3 horas e, com
excepção da maratona, podemos correr a distância que quisermos e quando
quisermos.
Podemos estar sentados nas
tendas, a apoiar os restantes atletas. Podemos dormir, podemos ir a casa. Podemos
desafiar-nos. Podemos divertir-nos.
Muito bom, obrigada pela partilha Sandra afinal havia mais uma de 100km :)
ResponderEliminarPode ser que no próximo ano não coincida com o Piódão. Fiquei curioso :)
ResponderEliminarMuitos parabéns!
Com certeza que sim, não há melhor prova para a grupeta, ou pelo menos onde ela seja mais necessária. Belo texto Sandra, és Valentina é o Luís foi fantástico. Gostei muito da vossa companhia. Vamos repetir :-)
ResponderEliminarQue partilha maravilhosa🥰
ResponderEliminarParabéns Sandra!
👏👏👏