O TRILHO DOS REIS – O TRAIL FEITO POR UM PAR DE PÉS DE ALCATRÃO
O TRILHO DOS REIS – O TRAIL FEITO POR UM PAR DE PÉS DE ALCATRÃO
O trail nunca foi a “minha praia” e todos os que me conhecem
sabem que isto é a mais pura das verdades. Gosto e gosto muito de correr mas a
minha preferência são as corridas de estrada e mais concretamente a distância
da maratona. A maratona sim, tem sido a minha eleita nestes últimos anos e
espero poder continuar, faço, repito e não me canso de voltar a fazer.
O RUN 4 FUN tem um núcleo duro no que ao trail diz respeito,
temos de tudo um pouco, curtos, longos, ultras, endurance, há atletas para
todos os gostos e feitios. O Teodoro Trindade que todos conhecem lançou um
repto para o ano de 2020 – consolidar e incrementar uma equipa RUN 4 FUN para a ATRP. Achei que fazia algum sentido
ajudar dentro das minhas modestas possibilidades, fazer 3, 4 , meia dúzia de
provas para que pudessem pontuar, vai daí mergulhei de cabeça neste projeto,
inscrevi-me na ATRP, fiz seguro e comecei de imediato a consultar o calendário
de provas. Quando anunciei a minha decisão junto do grupo as reações foram
hilariantes “estou de queixo caído”, “o Rosete amalucou de vez”, “vais entortar
as canelas todas …”. Siga, vamos embora com isto para a frente.
Rapidamente percebi que embora visto de fora estas coisas
parecessem muito amadoras, muito à moda das pequenas associações e coletividades
locais, nós enquanto grupo, já tínhamos uma logística montada e uma coisa muito
à frente. Prontamente fui adicionado num chat para o efeito, as mensagens caiam
ao ritmo do ponteiro de segundos tal não era o entusiasmo da coisa. Rapidamente
apareceu um calendário de provas para assinalarmos as intenções do que
queríamos fazer e já se combinavam viagens e alojamentos para as provas que se
avizinhavam, bolas !!! estamos muito mais à frente do que nas provas de estrada
pensei.
Escolhi então meia dúzia de provas para o primeiro semestre,
algumas conhecia de nome, outras de fama ou de má fama como queiram chamar e
inscrevi-me logo em duas, a primeira das quais é que diz respeito esta crónica
- o Trilho dos Reis na distância ultra
em Portalegre na famosa serra de São Mamede.
Conseguimos reunir uma equipa bastante jeitosa e demos início
aos preparativos para a coisa. O alojamento, o local para o jantar, as boleias,
tudo foi discutido e voltado a discutir para que nada falhasse e não falhou
mesmo. Estava então prestes a estrear-me na distância ultra, nos 45 ou 47 ou lá
o que fosse, verdade seja dita com um atraso de uns 7 ou 8 anos, bem … na
realidade isso também nunca me entusiasmou muito.
Não estava nervoso e sem qualquer tipo de falsas modéstias
não tinha muitas duvidas que conseguisse, claro que poderiam sempre acontecer
imprevistos, mas isso é como tudo, também não valia a pena pensar muito nisso.
Convém esclarecer também que não era um estreante nestas coisas dos trails,
além de diversas provas mais curtas, tipo os Casainhos, o Monge, Almada, O
Costa Vicentina e os vários treinos em Monsanto, Sintra, Arrábida e Sesimbra de
vez em quando sabia-me bem, mas …, sim porque há sempre um mas, empenava sempre
e por um pormenor já diagnosticado por mim, não sabia descer !!! Fazendo uma analise
infantil da coisa é como andar de bicicleta, enquanto não se aprende não se
larga, continuamos de rodinhas ou a pôr o pé no chão, eu enquanto não melhorar
a descida irei sempre continuar a travar e consequentemente a empenar, burro
velho …
Alguns tempos antes, durante os nossos treinos ou provas fui
perguntando aos restantes companheiros como é que era aquilo nos Reis, relembro
aqui alguns comentarios, o Jorge Esteves “Fernando não gosto muito daquilo pá,
fartei-me de andar”, o Teodoro Trindade com aquele sorriso maroto “soubeste
escolher …” e o Nuno Dias de Almeida “Arranja mas é uns bastões que até vais
andar de gatas.”. Pensei para comigo, vou deixar de fazer perguntas parvas.
Vamos então à aventura, sábado à tarde metemo-nos ao caminho
e aí vamos nós. Reunião com a restante equipa, levantar dorsais, alojamento, distribuição dos quartos e para
compor tão perfeito fim de semana romântico nem faltou o jantar à luz das velas
devido à falta de energia da aldeia. Depois de provisionarmos as necessárias
reservas e abastecermos de combustível aditivado lá vamos tentar descansar para
a tareia que se avizinha.
D-day, tudo a postos no mercado de Portalegre, local de
partida e chegada das 3 distâncias, 18, 27 e 45, o RUN 4 FUN esteve presente em
todas. Lá nos reunimos para fazer os habituais bonecos para a posteridade, como
sabem o sucesso de muitas provas mede-se pelo volume de fotos e aqui não é
exceção, já passaram quase três semanas e ainda se publicam fotos da prova. O
ambiente bem disposto e descontraído estava estampado nos rostos de todos, do
Pedro, do Luis, da maria, da Sandra, do Teodoro, da Rita, da Carmen, do Rui, da
Helena, do Luís Afonso, da Carla, do Raposo, do Francisco e do João Sousa. Acho
que não me esqueci de ninguém.
Vamos embora a isto, o sobe e desce está garantido. Partimos
de trás, não havia pressa para nada. Primeira subida, comecei a passar muita
gente, pensei já estás a fazer borrada, o primeiro milho é para os pardais, mas
lá fui continuando. O percurso esteve no meu entender sempre bem sinalizado, as
fitas, os avisos, os voluntários, a coisa estava bem pensada.
Primeiro abastecimento, decidi parar para comer e beber e
provisionar líquidos, é a primeira grande diferença em relação à estrada, regra
geral todos param. Abastecimento abundante e variado, sendo que mais à frente
viria a ser reforçado pelas bifanas e pela cerveja.
Começam a aparecer as primeiras subidas e descidas, estreitas
e de pedra solta, calhaus com fartura, mas como isto ainda vai fresco até tem
piada, o trail é lindo. A corrida começa então paulatinamente a ser substituída
pela caminhada, embora ainda uma caminhada forte e vigorosa.
Não vejo colegas de equipa, a saída tinha sido algo confusa,
nem faço ideia se estão para a frente ou para trás. Continuo o meu caminho
sozinho e com os olhos sempre no chão. Vejo que muitos atletas param para tirar
fotos à paisagem, selfies e vídeos em direto, mais uma diferença para a
estrada, quando se para geralmente é mau sinal.
Noto muitas senhoras
em prova e não deixo de esboçar um sorriso porque nunca percebi muito bem
porque é que grande parte delas gostam muito de fazer tranças no cabelo quando
vêm para isto, deve ser look de guerra para enfrentar este tipo de provas.
Acreditem, até já tenho perguntado às que conheço, mas porque é que vens para
as provas de totós no cabelo, riem-se mas não me explicam, o trail é lindo.
Por volta do km 20, antes da subida grande de onde se
avistava a barragem, começo a ouvir uma voz familiar, “Rosete vais muito
fresquinho”, “…despe o corta vento pá”, era a mulher do apito, pensei, pronto a
Carmen já me apanhou. Havíamos de nos cruzar no próximo abastecimento,
praticamente não parou, 2 quartos de laranja e está a andar, como é que vocês
julgam que se sobe aos pódios. Eu parei, comi e bebi e lá me fiz ao caminho
novamente.
Por esta altura as descidas já me custavam a fazer, já tinha
enfiado mal o pé por duas ou três vezes, esticão da esquerda, cacetada da
direita, ai, ui e restantes impropérios, enfim ia chamando uns nomes feios às
mães dos calhaus.
Levei uns Asics Fujitrabuco que ~são aliás as únicas
sapatilhas de trail que tenho e nem mais se justificava atendendo a que faço
poucas provas. Numa dessas descidas em que já devia ir todo encolhido e em que
ao invés de progredir começo a ser ultrapassado passa um fulano por mim e no
seu melhor sotaque alentejano diz-me “Esses ténis não dão para aqui, venho
atrás de si e está farto de escorregar, isso não agarra nada”. Pois “ … tinha uns desses e já os encostei, ainda
ontem comprei umas Hoka”. Como eu continuava a subir razoavelmente bem ia
passando atletas, nas descidas voltava à estaca zero, razão pela qual esta
personagem ainda viria a passar por mim mais um par de vezes “eu não lhe dizia,
isso são as sapatilhas”, “compra umas La Sportiva ou umas Hoka e vai ver a
diferença”. Vou começar a fazer um mealheiro para isso, respondi. No meio de
tanta desgraça também temos que ter algum poder de encaixe.
Nos poucos momentos em que se podia rolar ou subir de uma
forma constante tentava meter algum andamento, sabia que à medida que a prova
ia caminhando para o fim, as pernas já não travavam como antes e estas coisas
às vezes é como na neve, os acidentes geralmente são ao fim do dia, quando já
não há pernas. Não convinha pois arriscar nada, o meu objetivo era apenas
acabar.
Por volta das 5:30, 6:00 de prova começo a pensar, isto deve
ir para perto das 8 horas, 8 horas ???? Bolas isto é um dia de trabalho !!!! Dava
para fazer duas maratonas de estrada. Gaita para isto, mas lá me vou esforçando
para meter um único pensamento na cabeça – o trail é lindo.
Último abastecimento, se a memória não me atraiçoa a 4 kms da
meta, portanto já às portas de Portalegre. Volto às laranjas, tirando um pouco de
salame de chocolate ao início, foi a única coisa que comi juntamente com água e
isotónico.
Chegada, 06:58:16, está feita, sem cair e sem grandes
mazelas, embora previ que iria levar de recordação um valente empeno como se
viria a confirmar na massagem de quinta-feira seguinte, o menu do costume: os
quadriceps, a banda ilitibial , os adutores e a lombar, toma lá que é para não
travares tanto.
Gostei da prova, do ambiente, dos abastecimentos, do apoio e
do espirito RUN 4 FUN envolvido. Gostei menos do traçado do percurso, a serra é
bonita mas fiquei com a sensação em que há locais onde se sobe aqui para descer
ali um pouco mais ao lado e é o encher o chouriço e aquelas ribeiras secas
cheias de calhaus também adorei evidentemente.
Moral da historia – o trail é lindo !!!!!
Estiveste muito bem, não me surpreendeu nada teres chegado logo a seguir a mim,quanto aos abastecimentos sou de pouco alimento, não fico muito tempo parado neles :)
ResponderEliminarFernando, bem vindo ao Trail!
ResponderEliminarEstrada e trail não são incompatíveis como tu agora provaste. Quem faz bons tempos na estrada também os faz no trail, principalmente se tiver umas boas sapatilhas ��
Parabéns pela excelente prova e pela crónica!
O homem é um foguete em qualquer terreno caneco!!
ResponderEliminarMaratona Olímpica, Extreme Maratona, trilhos ... é o que se quer.
Muito fixe esta tua abordagem estrada vs trilhos. E bem escrito.
Parabéns pela prova estiveste imparável.
Na minha opinião, como corres rápido, investe numas sapatilhas de com mais aderência. Investe porque vais poupar nos adesivos e desinfestantes de feridas.
Runabraço
Belo relato Fernando, gostei muito e obrigado pela partilha. Nem parecias um principiante nestas coisas dos trilhos e logo nas ultras.
ResponderEliminarA minha experiência é que se vai gostando mais à medida que vamos fazendo mais provas.
O ambiente é bem mais descontraído do que na estrada até porque nos trilhos não existem PBTs. Dá para pensar enquanto não se está a olhar para o trilho. E desfrutar de belas paisagens e da natureza.
Runabraços
Caro Fernando,
ResponderEliminarNão podemos todos gostar do mesmo, ainda bem, mas no entanto quando experimentamos algo que que não nos agrada tanto ficamos a apreciar mais aquilo que realmente gostamos. Eu uso essa estratégia, de vez em quando corro uma maratona em estrada e depois volto à mata.
Os Reis vão dar-te mais ânimo e vamos todos continuar a ver-te brilhar no alcatrão e de vez em quando também nos trilhos. Segue lá o conselho do homem e compra uns pneus novos, dos que agarram.
Obrigado pelo relato, abraço.
Fernando, adorei a tua crónica. Está muito gira. E a tua participação na distância de 45 km foi fantástica. Uma boa base de estrada é sempre uma mais valia no trail. Agora compras uns ténis de jeito (eu também tenho trabuco mas só os usei uma vez em prova: lixam-me as unhas dos pés) e passas a descer a voar.
ResponderEliminarMuitos parabéns e obrigado pela crónica
Ahahahaha, o que eu me ri. O Trail é lindo! Mas é mesmo, só tens de lhe dar mais hipóteses e comparar uns Hoka :)
ResponderEliminarGosto desse espírito aventureiro, da saída da zona de conforto, da coragem. Bem vindo aos trilhos, Fernando Rosete Foguete.
Fernando tu és uma valente máquina.
ResponderEliminarParabéns pela excelente prova e pela crónica de arrepiar que tem o prazer da corrida quer seja pelos trilhos ou pelo alcatrão!
Muitos parabens e obrigado pela partilha.
Abraço
Este ano tbm estou a optar por escolher provas novas para experimentar. Só vou repetir aquelas que gostei muito no ano passado. Nunca experimentei este trail devido à distância geográfica por isso não consigo opinar. Parabéns pela conclusão :)
ResponderEliminarEM Janeiro, com os solos encharcados e frios é mais complicado.