Ultra Trail da Serra da Freita – “YOU ARE NOT A RUNNER”
O Ultra Trail Serra da Freita
seria um treino para o Celéstrail, prova de 83 km com 5.000m D+, integrada no Andorra
Ultra Trail Vallnord.
No último ano fui barrada no
segundo corte do Louzantrail, por 11 minutos. Tinha percorrido 27 km e 2261 m
de D+. Na Ultra do MIUT desisti com 45 km e 4073 m de D+ feitos, a 30 minutos
da barreira horária.
A subida da Besta (dos percursos de “escalada” mais incríveis que já fiz até hoje, a trepar e a subir pedras, com arvoredo cerrado sobre a cabeça e água a escorrer e a bater-nos na cara e no corpo) marca para sempre. Disse o Luís Afonso que é uma parque de diversões. Diz-se que o Rúben foi cuspido pela Besta, no final do percurso. Tem 400 m D+ em menos de 1 km de distância, com quase 50% de inclinação média
A descida às Porqueiras: descida
interminável até ao rio num trilho verde, muito inclinado com raízes, mas
lindo, lindo!!!
A subida após a Lomba, em
direcção ao Pico da Gralheira, com uma inclinação brutal, que me pôs aquele
estúpido sorriso permanente na cara, sempre que sofro o sadismo da organização.
Um treino de 65 km a três semanas
de Andorra?!? Sim, em ritmo de power walking permitido pelo tempo limite da
prova de 28 horas, aplicável às duas distâncias (65 km e 100 km).
Rui Faria, Luís Afonso, Ruben
Costa e eu alinhámos “em grupeta”. GRU-PE-TA.
No final da primeira subida
encontrámos o organizador da prova, José Moutinho “aquele que é conhecido por muitos como o pai do trail em Portugal”.
Ali nos explicou a razão de ter organizado duas provas, tão diferentes, com o
mesmo tempo limite de 28 horas:
- Elite Trail Serra da Freita - 100
km com 6.600m D+ - Destinada à Elite, atletas com preparação e capacidade para
fazer uma prova devidamente descrita numa placa de aviso: ”Vais ser comido,
mastigado e regurgitado pela Freita”
- Ultra trail Serra da Freita -
65 km com 3500 D+ -Visava integrar os atletas que gostam de trilho puro e duro,
com piso irregular, subidas e descidas verticais, paisagens variadas, de uma natureza
pura, com poucos sinais de presença humana, que pudessem ser apreciadas e não
apenas percorridas. A distância e o percurso teriam que ser desafiantes, não
acessíveis a todos, contudo, o risco da barreira horária seria minimizado. Ou
seja, uma prova para atletas de longa distância, que não são elite. Nem sequer
“meia-elite”
Imediatamente recordei a história
que o Luís Afonso me havia contado sobre a Mirna Valerio, uma ultra runner,
norte americana. Um dia, a meio da corrida da Carolina do Norte, decidiu parar
e fazer uma selfie, para os fans do Twitter, quando recebeu a seguinte mensagem
de um total estranho: “You are not a runner"
De forma
não maldosa, já ouvimos comentários deste género. Críticas e sentenças nas quais se estipulam tempos mínimos para que uma maratona se classifique como tal
ou em que se desconsidera o trail running pelo facto de se fazerem troços a
andar ou outro sem número de items que visam qualificar ou desqualificar um
corredor, como corredor.
Naturalmente tenho-me questionado
sobre a minha capacidade para fazer provas com este nível de dificuldade,
quando anteriormente não tinha qualquer dúvida de que terminaria, e terminava,
outras ultras. Estarei a perder capacidade física ou mental? Ou o nível de
exigência estará a aumentar, estando os organizadores apostados em criar provas
exclusivamente para a elite e “afins”?
“I´m not a runner”? Mas, bolas, é disto
que eu gosto: distâncias longas, piso técnico, subidas e descidas vertiginosas a
incógnita de saber quem ganha: eu ou a montanha?
De facto nem todas as provas são
acessíveis a todos. E não temos as mesmas capacidades. São diferentes os anos de corrida, e de experiência, bem como o tempo e a capacidade para treinar, a
genética, o poder económico para investir em massagens, suplementos
alimentares, treinadores, roupa, calçado e equipamento adequado. São tantas as
variantes que, logo na partida, alinham seres humanos automaticamente divergentes,
em termos de investimento e de capacidade.
Naturalmente sabemos quem é a
Elite. Mas a questão é saber se, não sendo elite, e dentro das nossas enormes
diferenças, e capacidades, somos corredores. E saber se, neste grupo dos "não-Elite", é mais corredor
aquele que tendo melhor genética, mais experiência, mais hipóteses de treino,
obterá melhores resultados finais na classificação, ou atingirá maior distância,
ou se, pelo contrário, é mais corredor aquele que, estando condicionado por vários
factores,tem uma vontade férrea e inabalável para chegar
ao final. E chega! Como a Mirna Valerio.
Ou saber se são corredores, em igualdade qualificativa,aqueles que, partindo com diferentes condições, atingem o mesmo final, embora com
tempos diferentes.
Na prova Elite Trail Serra da
Freita-100 km partiram 150 atletas. Apenas 77 passaram no segundo controle. Terminaram 76 atletas.
Na Ultra 65 km dos 155 atletas inscritos terminaram 149.
Ao criar duas provas diferentes,
com o mesmo tempo limite, para tipos de pessoas diferentes, o José Moutinho
respeitou as diferenças. E contrariou a tendência que se tem
verificado em quase todas as provas de trail, em Portugal: provas cada vez mais
duras, com barreiras horárias mais apertadas, ou seja, cada mais circunscritas
à Elite. (É este o caminho?!?!?)
O José Moutinho também respeitou os “não
Elite”. E esta lenta e pequena “não Elite” passou a respeitá-lo e a admirá-lo.
E a Serra da Freita ganhou uma nova apaixonada.
A Freita é para os amantes dos
trilhos. Até mesmo a aproximação a Arouca, já nos limites da povoação,
aproveita todos os troços possíveis para fugir aos estradões e à estrada. É trilho e trilho!
As Escadas do Demónio: 800
degraus de pedra, irregulares, correspondentes a 400 m de D+..
A chegada às Pedras Parideiras (que
fenómeno geológico incrível e exclusivamente português).Vale a pena googlar!
A Cascata da Frecha da Mizarela
ao pôr-do-sol (que gravação na retina!!!). A passagem numa zona de precipícios
(grrrrrrr! Porquê? Porquê?).
A descida, a pique, com Arouca à
vista ao longe, muito longe…e sem se aproximar…km a km…e Arouca ainda longe.
Um trilho lindo, e interminável, às
duas da manhã, com o rio sempre a cantarolar, ao nosso lado (estou farta do
rio! Tanto rio! E as casas? E Arouca?).
A meta às 02h.41.
20:41:19 de prova. A prova “onde tudo
começou”
Objectivo de treino de caminhada
cumprido.
Objectivo de grupeta quase
cumprido: reagrupamento nos abastecimentos e ritmos pessoais a imporem-se,
necessariamente, numa distância tão longa e em tempo tão dilatado.
Objectivo de FUN cumprido a 100%:
a melhor chegada RUN 4 FUN de todos os tempos. Obrigada Rúben Costa! - https://www.facebook.com/sandra.simoes.98/videos/o.664744843947093/10215242095747269/?type=2&theater¬if_t=video_processed¬if_id=1562238348443111
Sim, WE ARE RUNNERS!
Yes, you are! Parabéns, bela prova e dissertação sobre a mesma. Boa sorte para o Celestrail, vais adorar Andorra!
ResponderEliminarNeste aspecto, que importa o que dizem que somos?
ResponderEliminarSomos efectivamente o que queremos, o que podemos, o que nos apetece, enfim o que nos dá prazer. E esse prazer não se esgota no tempo limite das provas, perdura, e se valer a pena vai ficar para sempre registado na nossa memória. Pela tua crónica tenho a certeza que foi esse o caso. Formaram uma "grupeta" memoravel.
Obrigado pelo relato, muito bom.