Andorra Ultra Trail VallNord - Ronda dels Cims 2019 - Prólogo
Even though I walk through the darkest valley, I will fear
no evil, for you are with me; your rod and your staff, they comfort me.
- psalm 23:4
Correr 100 milhas é absurdo? Eis aqui o verdadeiro absurdo:
“Em todos os dias de uma vida sem brilho, o tempo nos leva.
Mas sempre chega a hora em que temos de levá-lo. Vivemos no futuro: ‘amanhã’,
‘mais tarde’, ‘quando você conseguir uma posição’, ‘com o tempo vai entender’.
Estas inconsequências são admiráveis, porque afinal trata-se de morrer. Chega o
dia em que o homem constata ou diz que tem trinta anos. […] Pertence ao tempo e
reconhece seu pior inimigo nesse horror que o invade. O amanhã, ele ansiava o
amanhã, quando tudo em si deveria rejeitá-lo. Essa revolta da carne é o
absurdo”
- Camus, O Absurdo
Porque corro?
Está tudo na imaginação. Nada disto é real. Fazer 170 km na montanha
não acrescenta nada ao meu destino. Não altera a ordem das coisas. Não gero
novos universos, não salvo a humanidade, não alcanço a imortalidade. Continuo
imerso na Condição Humana. O Cosmos continua a ser um local improvável, sem
justificação nem apelo. As partículas e os campos de força continuam a saltar
do vácuo e interagir porque sim. As espécies digladiam-se porque está na sua
natureza. Este planeta caminha para o oblívio. A minha, a nossa, existência não
é mais do que um efémero piscar de olhos num espaço-tempo vazio.
Não há redenção, não há salvação.
No entanto uma aventura destas dá-me alento para pelo menos mais um
ano. Para conseguir ultrapassar as dificuldades comezinhas do dia-a-dia. As
pequenas irritações, o tédio dos gestos repetitivos. O inexorável caminho em
direção à decadência torna-se mais suave. Os momentos mais ricos, coloridos e
vívidos.
Enquanto cá estiver vou travando a luta inglória e os meus átomos,
quando se dispersarem ao vento, eles ao menos hão-de saber que vivi. Terão a
minha marca, depois de já terem tido a de Gilgamesh, Homero, Alexandre, Aníbal
Barca, Júlio César, Erik o Vermelho, Rolando, Zheng He, Ibn Battuta, Magalhães,
Vasco da Gama, Livingstone, Neil Armstrong.
Serei um pequeno risco à escala de Plank na fábrica do espaço-tempo.
Serei um pequeno risco à escala de Plank na fábrica do espaço-tempo.
As famílias felizes
parecem-se todas; as famílias infelizes são infelizes cada uma à sua maneira.
- Léon Tolstoi
As provas fáceis parecem-se todas; as difíceis são difíceis cada
uma à sua maneira.
Com esta completo meia-dúzia de provas com mais de 160 km e
mais de 7.000 mD+.
Cada uma delas como uma amante diferente, que se entranha na
pele. Não é por acaso que Montanha é um substantivo do género feminino. Não se
equivoquem, elas não estão lá para ser conquistadas, ou dominadas, ou outro qualquer
verbo encharcado em testosterona. Não. Todas elas têm a última palavra e cada uma
tem que ser abordada na sua especificidade. Há montanhas mais suaves, outras
mais agrestes e temperamentais, e outras ainda esquivas e arredias. Mas com cada
uma necessitamos saber obter a sua concordância para descobrirmos seus segredos.
Vou assumir uma liberdade literária ao tomar a parte pelo
todo, chamando a montanha pelo nome da prova.
A primeira amante era Basca. Os Bascos são uma raça
orgulhosa e independente, que sempre resistiu a ser assimilada por outras
culturas. É necessário mostrar-lhes a nossa valia e bravura a fim de conseguirmos
ganhar o seu respeito. No entanto, nunca conseguiremos que se rendam. A vida
com eles será sempre uma eterna luta, muito recompensadora, e muito desgastante.
As 100 milhas do Ehunmilak foram a minha estreia na
distância. Em 2012 escrevi o seguinte no meu blog:
Psicose:
«O termo psicose é definido como a incapacidade de distinguir entre a experiência subjectiva e a realidade externa, ou seja, existe uma perda de contacto com a realidade.»
O enorme, gargântuo, demolidor desafio que foi para mim o Ehunmilak pode ser definido como a anti-psicose.
Processa-se em 3 estágios em que se vão removendo as camadas externas da psique até restar apenas o eu nu e primevo, imerso numa realidade pre-uterina, uno com o Universo ("no princípio era o Verbo").
Primeiro a Montanha destrói o corpo, fibra por fibra, até não sobrar mais nada para além da mente para nos levar adiante. Seguidamente destrói a própria mente, através do cansaço e da privação do sono, que impedem a concentração e nos dificultam os passos. Por fim sobra apenas a vontade pura para nos levar até ao fim.
Cinco dias volvidos sobre o término da prova, ainda passo horas meditando sobre o que sucedeu na Montanha. Tenho recordações muito mais vivas daquilo que se passou no segundo dia do que ocorreu no primeiro (a falta de sono prejudica a formação de memórias). Ainda tenho dores e abrasões em vários pontos do corpo e ainda tenho dificuldade em sentir o dedo grande do pé esquerdo. Ainda sinto a astenia e o sono profundo que me conquistaram nos dias posteriores à prova.
«O termo psicose é definido como a incapacidade de distinguir entre a experiência subjectiva e a realidade externa, ou seja, existe uma perda de contacto com a realidade.»
O enorme, gargântuo, demolidor desafio que foi para mim o Ehunmilak pode ser definido como a anti-psicose.
Processa-se em 3 estágios em que se vão removendo as camadas externas da psique até restar apenas o eu nu e primevo, imerso numa realidade pre-uterina, uno com o Universo ("no princípio era o Verbo").
Primeiro a Montanha destrói o corpo, fibra por fibra, até não sobrar mais nada para além da mente para nos levar adiante. Seguidamente destrói a própria mente, através do cansaço e da privação do sono, que impedem a concentração e nos dificultam os passos. Por fim sobra apenas a vontade pura para nos levar até ao fim.
Cinco dias volvidos sobre o término da prova, ainda passo horas meditando sobre o que sucedeu na Montanha. Tenho recordações muito mais vivas daquilo que se passou no segundo dia do que ocorreu no primeiro (a falta de sono prejudica a formação de memórias). Ainda tenho dores e abrasões em vários pontos do corpo e ainda tenho dificuldade em sentir o dedo grande do pé esquerdo. Ainda sinto a astenia e o sono profundo que me conquistaram nos dias posteriores à prova.
Contudo, sinto também a calma reconfortante proporcionada por aquele contacto prolongado com a vontade no seu estado mais puro.
Assim são certas relações humanas. Terminam deixando-nos
feridas profundas, mas simultaneamente levam-nos a lugares dentro de nós
próprios onde nunca iriamos sozinhos. O que permanece é um enorme sentimento de
gratidão por termos feito a viagem.
A segunda amante era Francesa, nascida nos Pirenéus. Os
franceses têm uma história e culturas muito ricas, o que lhes dá um sentimento
de superioridade e distanciamento que por vezes raia a sobranceria e
arrogância. No entanto também sabem ser meigos e gentis.
As 100 milhas do Grand Raid des Pyrenées foram a minha
segunda aventura na distância. O perfil da prova é altaneiro, como os franceses.
É composto por 4 subidas com mais de 1.700 mD+ cada uma, e de uma interminável descida,
com 2.400 mD-. Como subir e descer estas rampas brutais?
Em 2013 escrevi o seguinte
no meu blog:
Como se ultrapassa a adversidade? Onde vamos buscar as forças para persistir quando todas as fibras do nosso corpo nos ordenam que é altura de desistir?
Dizem que a fadiga é uma ficção que o cérebro engendra para ordenar ao corpo que é altura de parar, antes que algo irreparável o pare definitivamente.
Talvez a realidade seja toda ela uma ficção criada pela nossa mente. Ou então é um enredo que o nosso cérebro constrói, dinâmica e interactivamente, para se conseguir orientar num mundo complexo e desprovido de um propósito independente da nossa vontade.
Há investigadores que dizem que temos um cérebro “social” composto por módulos, com diferentes funções. A comandar esses módulos (ou ser comandado por eles) poderá, ou não, existir uma identidade denominada o “eu”, o “self”, a “consciência”, ou o que lhe queiramos chamar.
A razão porque construímos percursos e prosseguimos objectivos é porque necessitamos de um ou vários propósitos que nos orientem nesta vida. Como não somos seres simples, não é fácil definir um propósito claro.
Talvez seja o nosso histórico evolutivo que nos atira para o fio da navalha. Talvez sejamos apenas loucos e isso esteja inscrito na nossa matriz genética. O primata que enlouqueceu.
Como se ultrapassa a adversidade? Onde vamos buscar as forças para persistir quando todas as fibras do nosso corpo nos ordenam que é altura de desistir?
Dizem que a fadiga é uma ficção que o cérebro engendra para ordenar ao corpo que é altura de parar, antes que algo irreparável o pare definitivamente.
Talvez a realidade seja toda ela uma ficção criada pela nossa mente. Ou então é um enredo que o nosso cérebro constrói, dinâmica e interactivamente, para se conseguir orientar num mundo complexo e desprovido de um propósito independente da nossa vontade.
Há investigadores que dizem que temos um cérebro “social” composto por módulos, com diferentes funções. A comandar esses módulos (ou ser comandado por eles) poderá, ou não, existir uma identidade denominada o “eu”, o “self”, a “consciência”, ou o que lhe queiramos chamar.
A razão porque construímos percursos e prosseguimos objectivos é porque necessitamos de um ou vários propósitos que nos orientem nesta vida. Como não somos seres simples, não é fácil definir um propósito claro.
Talvez seja o nosso histórico evolutivo que nos atira para o fio da navalha. Talvez sejamos apenas loucos e isso esteja inscrito na nossa matriz genética. O primata que enlouqueceu.
As provas de Ultra-Trail têm características únicas que as diferenciam das corridas de estrada. A estratégia é muito mais complexa, pois é necessário avaliar um número muito maior de variáveis, tais como o percurso, as condições ambientais, o equipamento necessário (impermeável, bastões, etc), a alimentação, o ritmo, o descanso, etc.
Assim são as relações humanas. É necessário nutrir e equilibrar
muitos fatores diferentes para que a relação cresça e vingue. Um único ponto
fraco pode deitar tudo a perder.
A terceira amante era Catalã. Residente em Puigcerdà,
Pirinéus Espanhois. Os catalães são industriosos, fortes, apaixonados, desafiadores,
sociáveis.
A língua catalã pertence ao ramo itálico da família indo-europeia e é a
maior língua minoritária na Europa Ocidental. Faz parte da rica cultura
Ibero-gala, que inclui o provençal. Tem muitas características de espanhol e
francês.
Os 214 Km do VCUF - Volta Cerdanya UltraFons, foram a minha terceira grande aventura, e a maior distância que até hoje cobri em prova. Foi também uma das provas mais sociais que fiz. O espírito de grupo entre os portugueses foi fantástico, talvez porque já nos conhecêssemos todos bem, e também porque a prova teve um número reduzido de participantes.
Foi ainda a prova que menos me custou a fazer, apesar da distância.
Os primeiros 44 quilómetros são como uma relação amorosa no início: sem grandes obstáculos, tudo avança a bom ritmo. Após esse suave percurso inicial, começam as verdadeiras dificuldades, e entra-se num carrocel de emoções que irão durar até ao fim. Isso se tivermos sorte, é claro.
Em 2014 escrevi o seguinte no meu blog:
Existe uma multiplicidade de fatores que podem explicar o
sucesso no Ultra Trail.
De acordo com os manuais, a performance desportiva pode-se explicar
decompondo-a em 3 factores fundamentais: o VO2max, ou seja a ”potência do nosso
motor” (a capacidade de transportar oxigénio até às células musculares),
multiplicado pela nossa resistência ou endurance, que é a capacidade de
mantermos um ritmo constante a uma percentagem elevada do VO2max, e dividido
pelo custo energético da nossa locomoção (relacionado com a nossa técnica de
corrida).
Para cada um dos 3 factores desta equação, existem vários contributos.
O VO2max pode ser melhorado, com trabalho duro de intensidade, mas
depende também bastante da genética e da idade do atleta.
A endurance depende da nossa resistência à fadiga neuro-muscular,
articular, da capacidade de ingerir alimento líquido e sólido durante longos
períodos de esforço continuado, da resistência a amplitudes meteorológicas, ao
esforço em altitude, etc, mas sobretudo endurance mental.
O custo energético está diretamente relacionado com a nossa técnica de
corrida: a amplitude da passada, a postura na corrida, o deslocamento vertical
e horizontal, o peso, etc.
No ultra Trail existe um trade-off entre estes dois últimos fatores.
Para poupar as articulações e o sistema musculo-esquelético, o individuo tende
a adotar uma passada menos eficiente mas mais protetora.
Em conclusão, a performance pode ser otimizada regulando os 3 fatores.
Mas quanto a mim, o mental continua a ser o fator mais determinante
quando se percorre distâncias com 3 dígitos.
Eu chamar-lhe-ia a capacidade de mantermos um diálogo constante
connosco próprios. Durante a corrida vou sempre alerta aos sinais do corpo e da
mente e vou criando uma narrativa da prova. É como se tivesse uma banda sonora
em fundo e um fluxo permanente de imagens a cruzarem o cérebro. Alimento a
mente com as boas experiências que tive noutras provas e também noutras áreas
de minha vida, como a familiar, os amigos, o associativismo, o trabalho. Uso
todos esses ingredientes para tecer uma história que me embala e me faz avançar
etapa a etapa.
A quarta amante voltou a ser Francesa, mas desta feita nascida
nos Alpes, em Chamonix.
Até hoje nenhuma me colocou um desafio tão grande, me marcou
tanto, e causou tanta dor, como esta paixão.
Dizem que há montanhas mais difíceis que outras, amantes
mais exigentes. É possível, mas quanto a mim isso é pouco significativo. O que é
relevante é a nossa relação com a montanha. Temos que saber escutar a montanha,
ouvi-la com atenção. Não podemos querer dobrá-la à nossa vontade, porque ela
irá rejeitar-nos. É necessária uma enorme dose de inteligência, na mais vasta
aceção da palavra: racional e emocional.
As 100 milhas do Ultra Trail du Mont Blanc foram a minha quarta
aventura na distância.
Esta seria a minha 4ª prova de 100 milhas nos anteriores 4 anos.
Em 2015 escrevi o seguinte no meu blog:
Em todas as provas anteriores não fui munido de nenhum objetivo em
especial para além do fundamental que é divertir-me em trilhos que me deixem
imagens inolvidáveis e percorrer uma viagem interior que me enriqueça enquanto
pessoa. E se possível terminar a prova.
Desta vez tinha uma ambição um pouco mais prosaica: estava determinado
a baixar de uma barreira horária, a das 32 horas em prova. Assumo plenamente
esse desiderato.
Em 2012 tinha completado os 168 km do Ehunmilak em 39:42 e em 2013
tinha completado os 160 km do GRP em 36:42. Ambas as provas tinham sido
concluídas após ultrapassar grandes dificuldades, e em ambas elas eu tinha
sentido que o meu rendimento poderia ter sido melhor.
Por duas vezes já tinha concorrido a uma vaga no UTMB apenas para ver
goradas as minhas expetativas em 2 sorteios madrastos.
Foram 3 anos a alimentar um sonho, a vê-lo crescer, engrandecer-se,
começar a caminhar, desde os primeiros hesitantes passos, passando por um trote
suave, a uma marcha forte, até ao galope furioso dos últimos meses de
preparação para o desafio de uma vida.
O UTMB não é seguramente a prova mais difícil do panorama mundial, nem
sequer aquela com maior grau de dificuldade que eu já fiz. Já as fiz mais
técnicas (GRP), em piores condições meteorológicas (Ehunmilak) e mais compridas
(VCUF).
No entanto esta prova é única. Não há nenhuma com a envolvência que
esta gera. Chamonix é uma semana de festa. Vive-se, respira-se Trail Running. É
a mais emblemática. São os Jogos Olímpicos do Trail. Uma espécie de encontro
Tribal ao nível planetário. É o rio por onde sobem os salmões para chegar à
nascente. É o cemitério onde os elefantes vêm morrer.
(…)
Levado pela arrogância da juventude, completei os primeiros
136 Km da prova em apenas 26 horas. Dá uma média de 5,13 Km/h, o que é muito
bom. No entanto, repentinamente sou atingido por uma parede de rocha.
(…)
A partir daqui iria ser um caminho solitário aquele que eu iria
percorrer, em que teria que atravessar sozinho a segunda noite, e me veria
confrontado com os meus piores fantasmas.
Moisés abriu o Mar Vermelho com o bordão e a palavra de Deus.
Eu irei ter que abrir a noite a bordoadas de raiva e desespero. Mas faltam-me as barbas do profeta.
Estou em prova há exatamente 26:26:26.
O Número da Besta escondido entre os 3 Cisnes...
Já percorri 136 km, com 8.000 m D+ / 7.150 m D-. Resta pouco!!! ...iludo-me eu…
(…)
A descida vai ser bem pior.
Passo por companheiros sentados à beira do caminho com o olhar perdido no vazio. Pergunto-lhes se estão bem, a que anuem levemente com a cabeça.
Serão estes as sentinelas que ladeiam o Estige, à medida que a barca de Caronte me arrasta para o fundo?
«Da descida ao Hades ninguém volta ou, pelo menos, não volta aquele que foi.»
Estará Tirésias à minha espera para me revelar a profecia? Alcançarei a tranquilidade do meu reino, mas a viagem será particularmente dura? Apenas conseguirei retornar se refrear a minha cobiça?
Fala comigo Tirésias! Revela-me o meu destino!
O meu destino é descer, descer, descer… tenho um rendez-vous com uma povoação francesa chamada Vallorcine, a 1.270 m de altitude.
Demoro quase duas horas a descer. Mais precisamente, uma hora e quarenta e sete minutos. O mesmo que tinha demorado a subir e a exatamente à mesma velocidade: 2,8 km/h!
Ou seja, estou cada vez mais perro, cada vez mais trôpego, cada vez mais irremediavelmente empenado!
Entro na tenda de Vallorcine às 01:55 da noite. Venho zonzo. Necessito
de me sentar rapidamente. Faço-o na primeira mesa que encontro. Fico
alguns minutos a olhar o chão até conseguir recuperar o sangue frio.
Estou morto. Ou assim me sinto. Tenho que ressuscitar, tenho que ressuscitar!
(…)
Depois desta prova, não voltei a ser o mesmo durante muitos
anos. Deixou-me de rastos, exausto, tanto física como mentalmente.
Subjetivamente, foi a mais dura de todas.
A quinta amante foi madeirense.
Os 170 km da EMUM – Eco Madeira Ultra Maratona foram a minha
quinta aventura na distância.
Esta foi uma amante sem história. Um affair de verão, que
não deixa grandes recordações, exceto uma agradável e superficial sensação de um
pedaço de tempo bem passado. Foi uma prova suave, a transição das amantes
violentas e impetuosas do passado para o que viria no futuro.
A sexta amante foi Andorrenha.
Objetivamente esta última foi a mais difícil de todas.
Subjetivamente, tudo depende de nós, ou não fora esta afirmação, ela mesma uma perfeita
tautologia.
As 100 milhas do Andorra Ultra Trail – Ronda dels Cims, exigiram
de mim duas tentativas para conseguir ter sucesso
Em 2017 fiz a minha primeira tentativa. O período de 12 meses entre Julho de 2017 e Julho de 2018 foi o meu annus
horribilis. Na linha de partida sabia que não me tinha preparado o suficiente.
Mas tive esperança que os longos anos de prática pudessem produzir um milagre. E
de certa forma produziram. Com treino mínimo e excesso de peso, mesmo assim
logrei atingir o abastecimento do quilómetro 87, em Coma-Bella.
Não tinha a cabeça na prova.
Tal como uma relação em que não estamos empenhados nem envolvidos,
por estarmos demasiado centrados nos nossos próprios problemas, reais ou
imaginários, eventualmente a outra pessoa se farta, também a montanha não
perdoa a falta de diligência.
Depois desta derrota amarga, fiquei praticamente um ano
inteiro sem treinar. Apenas mantive alguns treinos esporádicos em estrada, mas
de baixíssima intensidade e volume, e não voltei a competir.
Engordei imensamente. Bebia demasiado. Passei de um peso
normal de 70 Kg, para 85 Kg. Entretanto o meu pai faleceu, divorciei-me, mudei
de casa.
Erros meus, má Fortuna, Amor ardente
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a Fortuna sobejaram,
Que para mim bastava Amor somente.
Em minha perdição se conjuraram;
Os erros e a Fortuna sobejaram,
Que para mim bastava Amor somente.
Parei completamente de correr. Só em Julho de 2018 é que
voltei a ter vontade de ir para a estrada, calcorrear o alcatrão. Foi um
renascer lento. O peso baixou para 80 kg mas aí permaneceu estagnado. Não
conseguia a velocidade de antigamente. Maratonas abaixo das 3 horas pareciam
uma miragem distante.
Lentamente fui-me erguendo das cinzas. Recomecei a
participar em provas de estrada e a ter resultados longe dos registos do
passado, mas perfeitamente razoáveis.
Em Novembro de 2018 senti-me confiante o suficiente para
arriscar tentar novamente uma prova de 100 milhas. E claro que a escolha teria
que recair novamente sobre aquela que tinha ficado a meio.
Eu só não termino aquilo que deixa de fazer sentido. E as
duas coisas que maior sentido me têm feito ao longo da vida, são a família (e
amigos), e a corrida na montanha. Já corro na montanha desde 2010 e tenciono
continuar até que os anos pesem demasiado.
Este longo prólogo está terminado. Os próximos capítulos
contarão a história da minha travessia das montanhas Andorrenhas.
Até lá!
2012: Ehunmilak, 168 km - 11.000 mD+, no País Basco.
2013: Le Grand Raid desPyrénées, 160 km - 10.000 mD+, nos
Pirinéus franceses.
2014: VCUF - VoltaCerdanya UltraFons, 214 km - 10.000 mD+,
atravessando os Pirinéus espanhóis e franceses.
2015: Ultra-Trail duMont-Blanc, a mítica prova de 170 km -
10.000 mD+, em redor do Monte Branco, atravessando 3 paises: França, Itália e
Suiça.
2016: Eco Madeira Ultra Maratona, 170 km - 7.000 mD+, ao redor da ilha da Madeira.
2017: Andorra Ultra Trail - Ronda dels Cims, 170 Km - 13.500 mD+, em Andorra. DID NOT FINISH.
2018: VAZIO
2019: Andorra Ultra Trail - Ronda dels Cims, 170 Km - 13.500 mD+, em Andorra. CRÓNICA EM CONSTRUÇAO.
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