#Penacova#TrailUltra42km
Marina Marques
Penacova Trail do Centro
(11/Novembro/2018)
Acredito que na nossa vida nada acontece por acaso e que há aprendizagens que temos de fazer para valorizar o que é essencial: o amor, a paz, a gratidão, a bondade, a amizade… O universo sabe o que faz e cada desafio ou obstáculo são uma parte importante do caminho que temos para percorrer, um caminho que inevitavelmente nos conduzirá ao ponto em que tudo se revela e faz sentido. Foi aí que eu cheguei com esta aventura em Penacova.
A vontade de realizar esta prova surgiu, essencialmente, depois de verificar que vários companheiros RUN 4 FUN estariam presentes no evento. Sondei algumas meninas para me lançar pela primeira vez numa prova de Trail, esperando ficar pelos 17 km. Não obtive companhia para esta distância nem para os 25 km. Na altura, quer a Ana Melo, quer a Sandra Simões iam para os 42 km. Decidi então que, dada a minha inexperiência, o melhor seria optar pela distância onde teria companhia, estava preocupada sem saber como reconheceria o trilho, como distinguiria as várias distâncias ao longo do percurso… A Elsa Mota chegou a dizer-me que sendo uma prova do Carlos Sá tudo estaria devidamente identificado e que não me preocupasse pois iria correr bem. Contei sempre com o apoio e disponibilidade de todos para me sossegarem e esclarecerem nomeadamente quanto à minha dúvida de levar ou não bastões. Não tenho prática de os usar, nem mesmo na neve, onde prefiro o snowboard por me dar uma sensação de liberdade maior. Optei por ir sem bastões e estou feliz com essa decisão.
Sou vegetariana a 80%, mas antes das provas gosto de comer hidratos e carne. O jantar nos 3 Pipos foi divinal. O arroz de míscaros estava uma delícia, bem como tudo o resto. O Gonçalo Fontes de Melo foi um anfitrião 5 estrelas, bem como o Diogo e o João Maria.
Na véspera da prova dormi muito mal, acordei várias vezes e senti-me incapaz de relaxar. A adrenalina era tal que no dia seguinte acordei fresca que nem uma alface, até parecia que tinha dormido um sono reparador. Chovia, como era previsível. Choveu ao longo de toda a prova, quase sempre com bastante intensidade, embora não tenha estado muito frio. Não costumo correr com chuva, não aprecio ficar ensopada até aos ossos. Se for uma chuvinha tímida tudo bem, caso contrário opto pelo indoor e corro na passadeira. Mas agora este era o momento e as condições meteorológicas eram iguais para todos, por isso, descontraí e aproveitei para conversar um pouco, tirar fotos e sorrir.
Na meta posiciono-me perto dos companheiros de equipa, quero ganhar confiança para a prova, contudo, assim que a partida se dá, avanço na chusma, deixo-me levar pela corrente de pessoas que flui. Uns metros à frente junto-me à Elsa Mota e ao Jorge Esteves, por pouco tempo pois havia subidas íngremes e lamacentas e cada um de nós tentava trepar mais rápido que os outros e acabei por lhes perder o rasto. Avanço. Já estou na prova, ganhei confiança. Uns metros depois encontro a Ana Melo. Percorremos juntas um bom caminho, não sei dizer quanto pois corro sem relógio e nunca sei a quantas ando. Mas gosto assim, torna a experiência ainda mais louca. Descemos, subimos, havia bastante lama o que provoca sempre engarrafamentos e, em determinado ponto, acabei por a ultrapassar. Como íamos para distâncias diferentes, segui caminho. De abastecimento em abastecimento inteirava-me de quantos km tinha percorrido e que horas eram.
Depois do primeiro abastecimento, pelos 7 km encontro o Carlos Sá. Dirijo-lhe palavras emocionadas, revelo-me fã, expresso a minha inexperiência e a loucura de percorrer os 42 km. Ele sorri, envergonhado, sem me dirigir palavra. Continuo em direção ao segundo abastecimento, aos 12 km, dá-se a divisão das provas, converso um pouco com os membros do staff enquanto degluto marmelada, laranja, banana… Um miúdo do staff presente diz-me “Vai para os 42? Já nos tornamos a ver, tem de tornar a passar por aqui”. O que sucedeu, mas apenas horas mais tarde. Continuo o percurso, sinto-me bem, fresca, confiante. Trepo monte acima, encontro um moinho, de onde sai um fotógrafo, pede-me que me posicione na moldura que diz “Penacova, onde a natureza vive”. Informa-me que sou a terceira. A terceira quê? Pergunto eu. A terceira mulher - responde-me. Acrescenta que tenho de aproveitar aquele troço que é mais corrível. Assim faço. Avanço lançada encosta abaixo (gosto das descidas, mesmo das lamacentas), ao longe vislumbro um vulto masculino e só penso em apanhá-lo. Não quero ir sozinha. Corro atrás dele durante algum tempo e parece-me reconhecê-lo na forma de correr, na estrutura corporal e tento, nas curvas, posicionar-me de forma a perceber quem é. Coloco-me ao seu lado e percebo que é o Alfredo Falcão. Ambos rejubilamos de felicidade. Temos companhia nos troços mais duros da prova. Percorremos juntos, sensivelmente, desde o km 14 até perto do km 30. Subimos, descemos, tornamos a subir, a subir, a subir, a descer, entramos na ribeira, serpenteamos para a esquerda, depois para a direita, ziguezagueando diversas vezes. Temos de seguir pela ribeira. Enfio-me dentro de água, tento sentir com os pés o melhor trajeto, uso as mãos para me agarrar às rochas, em determinado momento fico com água pela cintura e procuramos outro caminho. Tínhamos de escalar. Foi o que fizemos. Estes km eram muito técnicos, o Alfredo chegou a comentar que havia vários km que não corríamos. Aliás, correr foi algo que só raramente fiz, mas trepar, escalar, e vocábulos sinónimos foram abundantes. No abastecimento dos 22 km, antecipado para os 19, eu e o Alfredo tornámos a ser confrontados com o facto de ser a terceira mulher, a medalha de bronze como referiram, teria pódio, se tudo corresse bem, como fizeram questão de salientar. Que grande responsabilidade, Marina – disse-me o Alfredo. Brincámos com a situação e dissemos que se viesse alguma mulher lá atrás, o Alfredo conversaria com ela para a retardar. Não apareceu ninguém e desconhecia que éramos só 5 mulheres a disputar a prova, a quarta e a quinta eram a Sandra Simões e a Margarida Gonçalves, por esta ordem ou inversa.
Atingimos o alcatrão, ganho ânimo. Quando oiço os outros falar dos trilhos e dos sorrisos nos lábios, da felicidade, da paisagem, eu apenas me consigo concentrar no caminho, procurando pontos seguros de apoio, usufruindo pouco do meio envolvente, mas quando atinjo o alcatrão, aí ganho vida, sorrio, vejo tudo o que me rodeia, sinto-me feliz. Quero ganhar tempo, compensar o facto de ter corrido pouco, o Alfredo ressente-se das pernas e diz para eu avançar sozinha. É o que faço. Sinto-me bem, cansada mas com energia. Quero terminar antes do deadline da prova, as 17 h. Comecei a correr às 9 h da manhã. Avanço, mas sempre que aparece alcatrão desaparece quase instantaneamente, é apenas para mudar para a faixa rodoviária contrária e trepar o monte mais próximo. Chego ao ponto de divisão das provas, ao km 30 e reencontro o miúdo do staff a jogar num computador, queixa-se que está sem rede e que não há luz elétrica por causa do temporal. Perguntam-me “Quer terminar a prova? Tem de se despachar, faltam 12 km e são 15:15”. Penso que 1h45 para 12 km é exequível e lanço-me ao caminho. Dizem-me que aquele percurso final é mais corrível e avanço, sozinha e determinada. Conheço o meu corpo e sei que sou resiliente. Quero terminar, esse é o foco, o pódio é secundário, mas possível e não pretendo abdicar dele. Continuo. Vou fazendo cálculos de quantos km terei percorrido, quantos faltarão, lanço números ao acaso, sempre que o terreno fica mais acidentado, penso apenas em terminar, o pódio é o bónus. Avanço sempre, vou olhando para trás de vez em quando para tentar vislumbrar o Alfredo. Não o vejo. Nem a ele nem a ninguém. Chego ao último abastecimento e sou recebida com palmas. O Carlos Sá está presente. Pergunto as horas, são 16h30, quero chegar antes das 17 h, ele diz que não vai ser possível mas que vai alargar o tempo de prova, faltam poucos km para terminar, cerca de 4 e abdico de comer, não havia nada que gostasse, procurava banana, laranja, chocolate ou presunto. Vi Chocapic de chocolate, mas não me apeteceu. Digo que vou avançar. O Carlos Sá ainda grita “Mas coma…” e já eu me lançara novamente. Respondo que tenho barritas na mochila e desapareço. Por três vezes o meu quadricípite direito ameaçou cãibra, parei, massajei e continuei, não havia tempo para mariquices. Avanço por um caminho de terra batida, viro à direita, atravesso o alcatrão e encontro uma parede de lama e penedos que me pareceu quase intransponível. Penso “Não havia necessidade disto neste ponto”. Lanço uma perna de cada vez, trepo lentamente, sei que já falta pouco, e vou prosseguindo, pausadamente. No topo, inicio a descida, tento compensar o tempo perdido, sei que estou perto e oiço bater as cinco badaladas no sino da igreja de Penacova. São 17h. Neste momento sei que vou terminar a prova, mas não consigo cumprir com o objetivo de chegar antes do tempo limite de prova, penso que já não tenho direito ao pódio, mas quero terminar. Desço o mais depressa que consigo, atendendo ao facto de estar com as pernas massacradas e não querer cair na lama (nunca caí no decurso da prova). Atinjo novamente o alcatrão, o Carlos Sá está numa Pick Up e grita-me “Agora é só atravessar a ponte e já está”. Sorrio, chego a Penacova, passo a ponte, viro à esquerda, depois à direita e tenho de subir uma escadaria. Subo, avanço pelas ruas a corrinhar, reconheço troços do percurso inicial, vou direita ao centro, ao ponto de partida, passo a meta, estou morta. Baixo-me para tirar o chip dos ténis e não consigo desapertar o nó, sou ajudada, quando me levanto vejo o Rui Faria a sorrir feliz por mim. Tiram-me fotos. Estou tão cansada que faço um esforço sobre-humano para sorrir e ficar bem, será um marco. Levam-me. Dizem-me que vou diretamente para o pódio. Entro na tenda, mais fotos, entregam-me dois prémios: 2º lugar no escalão F40 e 3º lugar geral feminina, sacos com chocolates Avianense e massas Milaneza. Sou abraçada pela Sandra Simões e pela Margarida Gonçalves que entretanto chegam. Sorrimos, tiramos fotos, já me passou o cansaço, é agora que sou invadida pela felicidade do momento: terminei a prova. O pódio foi a cereja no topo do bolo.
Estou enregelada, quero um banho quente. Sinto-me morta, tão depressa não me quero meter noutra.
Acredito que na nossa vida nada acontece por acaso e que o universo sabe o que faz e cada desafio ou obstáculo são uma parte importante do caminho que temos para percorrer, um caminho que inevitavelmente nos conduzirá ao ponto em que tudo se revela e faz sentido. Foi aí que eu cheguei com esta aventura em Penacova.
Grata por pertencer a esta equipa, a esta família que tão bem me acolheu. Grata ao meu padrinho Vítor Aguilar que foi a minha estrelinha do 25 de dezembro de 2017, dia em que o conheci, e grata ao Nuno Dias de Almeida com quem fiz o primeiro treino em maio de 2018, treino a partir do qual decidi que queria fazer parte deste grupo, o que veio a suceder quase de imediato. Grata por vos conhecer, RUN 4 FUN, e vos ter na minha vida. Muito grata.
-- Marina Marques
Marina Marques, que relato tão bem escrito! Gostei imenso de ler!
ResponderEliminarMais uma vez, muitos parabéns pela coragem, empenho e resiliência que demonstraste!
Acho que deixaste muitas pessoas boquiabertas! :)
Se nada é por acaso, esta prova é um prenúncio de muitas vitórias.
Continua a correr e a divertir-te, trazes muita alegria a este grupo!
PARABÉNS!