Caminho Português de Santiago a partir de Valença
Aspecto da caderneta do peregrino, onde colecionamos os selos dos locais onde passamos |
O caminho de
Santiago é exigente, mesmo seguindo itinerários recomendados com etapas
médias de 20kms. As dificuldades surgem principalmente pelas longas horas a
caminhar, pelo piso irregular e também pelo perfil do percurso, que apresenta
subidas e descidas.
Final do nosso primeiro treino |
Os treinos de preparação são importantes para prevenir azares e garantir algum conforto. Recomendo que a soma dos treinos atinja uma distancia de 100 km, devendo incluir vários tipos de piso, alcatrão/calçada, estradão e trilhos. Nós treinámos várias vezes em Monsanto, no Jamor, na zona marginal do Tejo entre Cascais e Lisboa e em circuitos urbanos de Lisboa. Queríamos ter ido a outros sítios, como Sintra e a Arrábida, mas “o óptimo é inimigo do bom” e o importante era treinar, o que fizemos.
Treinámos durante três meses quase todos os fins-de-semana. Do grupo quem
caminhou mais treinou 74km. Devíamos ter treinado também duas vezes por semana durante os dias uteis,
mas isso não foi possível. Faz-se o que se pode e mesmo ficando abaixo do desejavel os treinos foram importantes e ninguem se magoou.
Percorremos o caminho Português, de Valença a Santiago, em cinco dias tendo a distância totalizado 137
quilómetros. Fizemos uma média de 27,5 km por dia em pouco mais de sete
horas, incluindo paragens de uma hora e pouco ou seja, em média
caminhávamos 6 horas por dia. Foi puxado, tornando difícil chegar ao fim das etapas
e dar uma volta pelos locais de chegada, porque ficavamos muito cansados. Por isso recomendo que o caminho Português seja feito em seis dias, em que
progressivamente se aumenta a distância percorrida em cada etapa.
ROTINAS
Levantar cedo faz parte da caminhada. Começar a andar com o nascer do sol permite visitar os pontos de interesse do caminho e chegar a horas para ter vaga nos albergues. Nós tínhamos dificuldade em sair cedo. No primeiro dia saímos mais tarde e nos restantes saímos entre as 9 e as 9:30, excepto na saída de Pontevedra que foi quase às 10:00.
Quando chegamos ao destino e marcamos lugar no albergue há mais duas coisas para fazer, descansar e tratar da roupa. Como há lavandarias selfservice na maior parte das localidades podemos aliviar a carga que transportamos lavando e secando a roupa uma ou duas vezes pelo caminho. Isso permite que este caminho se faça apenas com duas mudas completas.
Água, uma constante no caminho |
ROTINAS
Levantar cedo faz parte da caminhada. Começar a andar com o nascer do sol permite visitar os pontos de interesse do caminho e chegar a horas para ter vaga nos albergues. Nós tínhamos dificuldade em sair cedo. No primeiro dia saímos mais tarde e nos restantes saímos entre as 9 e as 9:30, excepto na saída de Pontevedra que foi quase às 10:00.
Quando chegamos ao destino e marcamos lugar no albergue há mais duas coisas para fazer, descansar e tratar da roupa. Como há lavandarias selfservice na maior parte das localidades podemos aliviar a carga que transportamos lavando e secando a roupa uma ou duas vezes pelo caminho. Isso permite que este caminho se faça apenas com duas mudas completas.
Calçada romana da Via XIX |
Quem viaja no inverno tem que levar roupa em camadas, as temperaturas em geral são baixas e chove, mesmo no verão.
No meu caso levei 5 camadas para a roupa de cima. Em geral roupa de desporto, mais leve e adequada para nos manter quentes mesmo quando estamos molhados. De dentro para fora: camisola interior técnica, tshirt técnica de manga comprida, polar, casaco corta vento e poncho para a chuva.
Podemos combinar estas cinco camadas e ultrapassar as situações normais de calor ou de frio. Quando vamos a caminhar produzimos algum calor e por isso estar muito agasalhado só vale a pena se estiver muito frio. Fui sem luvas e fizeram falta.
Levei dois pares de ténis, mas só caminhei com uns, os outros serviam para ir jantar. Os principais eram os LaSportiva Ultraraptor, e foram excelentes. Os suplentes eram mais leves e pouco adequados para longas distâncias. Foi um erro, devia ter levado dois pares de ténis para caminhada que fossem semelhantes. Também levei dois pares de calças, mas umas eram de licra e pouco adequadas para sair à noite. Devia ter levado dois pares de calças de caminhada para alternar.
Do equipamento faziam parte um apito e uma manta térmica, só para alguma emergência, que felizmente não aconteceu. Como as mantas térmicas são baratas e não pesam nada, acho que foram duas boas escolhas. Levei também um frontal pequeno sem pilhas sobressalentes porque não íamos caminhar à noite. Não cheguei a utilizar, mas não me arrependi de o transportar.
Ponte Sampaio |
A recomendação do peso da mochila é de seis a oito quilos, aproximadamente 10% do peso do caminhante. A minha pesava sete quilos e pareceu-me adequada. Apesar de ser pesada nos primeiros dias, a partir do terceiro dia já não dava por ela. Até era estranho quando a tirava, parecia que faltava qualquer coisa.
Levei bastões, mas nem eu nem a Marta os utilizamos o suficiente para justificar o seu transporte, apesar de haver quem os usasse todo o caminho, como a nossa amiga Sandra. Os nossos vieram a maior parte do tempo pendurados na mochila. Na próxima caminhada com estas características não levo. Sempre poupo 400gr!
ETAPAS
As etapas são todas bonitas. Caminhamos por aldeias, bosques e até zonas alagadas. Havia muita água no nosso caminho em inúmeros rios, ribeiros e ribeirinhos. Não sei se é sempre assim, talvez seja por estarmos na transição do inverno para a primavera ou por termos viajado numa altura excepcionalmente chuvosa ou talvez até por causa da tempestade Irene. Seja porque motivo for aquela água toda nunca pôs em risco o caminho que seguíamos, mesmo tendo por vezes que molhar os pés.
A aproximação às cidades maiores, como Redondela, Caldas de Reis e Santiago, leva-nos a percorrer mais estradas alcatroadas. Estas partes não são tão bonitas, mas são contingências de uma terra bastante habitada pelo homem.
NAVEGAÇÃO
O percurso está muito bem marcado, basta seguir as setas, os azulejos e os postes.
Só nos enganámos duas vezes, e nessa altura o Google maps resolveu a situação. Ainda não percebi como nos desviamos, mas possivelmente não vimos uma seta.
Antes de partir fui ao GPSIES.COM e descarreguei um percurso recente completo. Há lá vários. Coloquei no Googlemaps e no meu relógio Garmin Fenix3. Com estes auxílios, pensava eu, que a sinalização visual seria só um auxiliar, mas foi ao contrário, era mais fácil seguir a sinalização visual que os auxiliares electrónicos.
Qualquer pessoa consegue fazer os caminhos sem qualquer ajuda electrónica, mas ter ajuda dá segurança. Podem ver aqui o percurso efectuado, o percurso calculado pelo Strava e o percurso que seguimos extraído do GPSIES.com.
Posteriormente à realização do caminho fiz
a comparação entre o ficheiro GPX de referência que usei no relógio, o track
que calculei directamente no Strava, e o caminho realizado. Por comparação, entre o primeiro e o terceiro, detectei
os enganos que fiz ao longo do caminho, e posso dizer:
·
que
me enganei mais do que duas vezes, umas cinco talvez;
·
Que houve
três enganos, em que apesar de ter ficado desorientado, voltei sem ajuda ao
caminho;
·
Que o
Strava, na opção de desenho de rotas (Route) desenha um caminho 99% igual ao
que está no terreno e a diferença, menor que 1%, não é relevante. Atenção que
estamos a falar de um caminho muito frequentado, em que existem muitas pessoas
a percorrer exactamente o mesmo caminho. Este rigor pode não se verificar em
caminhos menos frequentados ou em que as alternativas seguidas são diferentes.
ALIMENTAÇÃO
De manhã tomávamos o pequeno almoço num café. Normalmente um café com leite e um pão ou croissant.O almoço era uma bebida, um "bocadillo" e um café. Variava consoante o que nos aparecia no caminho. Para jantar procurávamos um restaurante simpático e encontramos sempre.
A alimentação não foi um problema, porque havia pequenos cafés, restaurantes ou albergues onde podíamos comer durante o caminho. A excepção foi na aproximação a Santiago, sendo uma etapa grande só muito perto de Santiago conseguimos almoçar.
Agua, sempre muita água |
Não há muito a dizer sobre o ritmo. Cada um tem o seu e rapidamente o encontra. Não convém forçar nas primeiras etapas, para não promover lesões. É bom dar tempo ao corpo para se adaptar a este estado de movimento/esforço constante.
Em média demorávamos sete horas do inicio ao fim de cada etapa, incluindo paragens, pequeno almoço meia hora e almoço uma hora. A caminhar seriam 5h e meia. Os ritmos variaram entre 9min/km quando íamos depressa e 20min/km quando já íamos cansados a terminar etapas difíceis.
Nas etapas maiores os últimos quilómetros foram desproporcionadamente mais lentos porque os fizemos em esforço.
DORMIDAS
O peregrino normalmente vai disposto a dormir em albergues. Nos albergues públicos a dormida custou €6 e nos privados €12.
O quarto que partilhamos em Moos |
Em Pontevedra e em Padron, não arranjámos lugar nos albergues e tivemos que dormir num hotel e num hostal. Pagámos 55€ e 30€ por quarto, respectivamente.
Isso aconteceu porque terminamos a etapa tarde, mas em Padron havia mais procura porque nesse dia se realizavam as festas da cidade.
Depende de cada um. Todas as pessoas porque passávamos nos desejavam “bom camino”. Nós agradecíamos e retribuíamos mas foram poucas as pessoas com quem estabelecemos uma conversa com mais do que duas ou três frases. Isto talvez tenha acontecido por irmos em grupo.
Havia peregrinos de muitas nacionalidades, muitos portugueses, espanhóis mas também outras nacionalidades de pises mais distantes como alemães. Encontramos um grupo de jovens em que um deles viajava com os seus dois cães. Como esse era um dos meus objectivos, levar o meu cão no caminho, meti conversa com ele. Disse-me que era difícil ser aceite nos albergues e que por vezes tinha que dormir na colchonete que transportava num sítio qualquer. Acabei por o reencontrar em Santiago, com bom aspecto ele e os cães. Fiquei sem saber como é que ele fazia para alimentar os cães. Levar a ração devia ser pouco prático por causa do peso.
Tivemos um episódio muito engraçado. À saída de Caldas de Reis apanhámos uma grande chuvada. Fizemos os cinco quilómetros pelo bosque e só depois entramos numa terra onde podemos tomar o pequeno-almoço.
A hospitalidade à saída de Caldas de Reis |
Assim que nos fizemos à estrada a chuva aumentou de intensidade. Como estávamos numa povoação, encontramos abrigo na entrada de uma garagem. Enquanto estávamos abrigados a filmar a forte queda de granizo, o portão abriu-se e uma senhora convidou-nos a entrar para nos abrigarmos. Foi muito bom sentir o conforto e a hospitalidade. Trocamos umas palavras sobre para onde íamos. A senhora contou-nos que no dia anterior tinha feito a mesma coisa com dois alemães que também estavam a fugir da chuva. Tiramos uma fotografia e depois de mais dois dedos de conversa partimos no nosso caminho.
CAMINHO DA ESPIRITUALIDADE
Os caminhos de Santiago podem ser feitos
numa vertente mais espiritual ou numa vertente mais lúdica ou desportiva. O caminho começa bastante tempo antes do primeiro passo e cada pessoa
tem uma ideia do que se propõe procurar. O caminho da espiritualidade é uma
escolha ou um encontro do caminho, mas não é obrigatório, nem diminui o valor da
caminhada dos que vão apenas pelo passeio.
Por favor não confundam espiritualidade
com dor e sacrifício físico exagerado. Podemos ambicionar objectivos difíceis,
ser determinados e atingi-los. Para isso não é preciso sacrificar a nossa
saúde, os nossos pés e pernas. Moderação e bom senso também fazem parte da
viagem.
As longas horas a caminhar e o esforço
necessário para se atingir o final de cada etapa permitem esvaziar a mente dos
pensamentos e preocupações que no dia-a-dia a invadem, e isso é muitas vezes referido como deixar “pesos” no
caminho. A vertente espiritual, religiosa ou não, está sempre disponível, mesmo
que possa não ser a dominante. Estar num ambiente diferente do habitual, que
sendo agreste não é agressivo, dá espaço para uma vivência especial. Cada um
pode encher esta vivência à sua maneira.
O FINAL E O REGRESSO À PARTIDA
Queríamos ir à missa a Santiago. Como era dia de Páscoa havia muitas pessoas com a mesma ideia, mas lá nos colocamos na fila e até era possível que conseguíssemos entrar, só que já tínhamos as mochilas, para ir apanhar o comboio das 13:30 e não se pode entrar na catedral com mochilas, que desilusão. Assim, demos uma volta pela cidade, compramos um bolo de Santiago e as típicas empanadas e fomos apanhar o comboio para Vigo.
O comboio é óptimo, demora uma hora e custa 11€. Há poucas camionetas de Vigo para Valença por isso combinamos com um táxi de Valença que nos foi buscar e fez o transporte no Domingo de Páscoa por 40€.
Alguns números
1 dia Valença 2 Moos 29,4km acum 421m tempo 7h10 ritmo de deslocação 4,9km/h
2 dia Moos 2 Pontevedra 32,5km acum 616m tempo 9:11 ritmo de deslocação 4,2km/h
3 dia Pontevedra 2 Caldas de Reis 24,9km acum 339m tempo 5:23 ritmo de deslocação 5,0 km/h
4 dia Caldas de Reis 2 Padron 23,3km acum 396m tempo 5:51 ritmo de deslocação 4,9km/h
5 dia Padron Santiago 27,5 km acum 535m tempo 6:51 ritmo de deslocação 4,3 km/h
Uma experiência de vida. Obrigado Alfredo pelo esclarecedor relato. Posso dizer-te que o troço entre Ponte de Lima e Valença é o mais difícil, pois temos que passar pela serra da Labruja. A missa do Peregrino na Catedral de Santiago é talvez o momento mais alto da peregrinação, com o espetáculo do "bota fumeiro". A não perder. Runabraço
ResponderEliminarGostei imenso da descrição tão esclarecedora. É um dos meus objectivos fazer essa experiência.
ResponderEliminarObrigada pela partilha
Paula Quintela
Obrigado Alfredo,
ResponderEliminarRelato detalhado que me vai ser útil.
Abraço
TT
Boa tarde, deparei-me agora com a sua pagina pois tb estou a planear o caminho em 5 etapas, desde Valença (apesar de ser a primeira vez). Em Mos onde ficaram alojados? Obrigada.
ResponderEliminarObrigado pela partilha
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