Escutar o corpo mas não a cabeça, ou o que aprendi na Meia Maratona do Douro Vinhateiro.
Sabia que a meia do Douro não me iria correr
bem, ou não como a minha primeira meia,
em que me surpreendi chegando fresca à meta com pouco mais de 2hrs. Afinal tinha
acabado de regressar de uma exigente viagem de trabalho; não tinha sido capaz
de executar à letra o planos de treinos; lutava com uma ameaça de canelite que
não sabia ter origem num treino demasiado encurtado ou naqueles sapatos novos
que teimam em não sair do armário. Nem o descanso a que me forcei na ultima
semana me tranquilizava face à dieta pré-verão e ao ciclo hormonal e o aperto
no peito e o peso nas pernas pronunciavam uma má prova. Ainda assim, e após
animada dicussão com treinador/fã/chofeur me predispus às 3 horaas de viagem até
aquele hotel, finalmente descoberto, lá bem enfiado num ponto não identificado
do mapa, mais passagem acelerada pelo Museu do Douro para a recolha do dorsal;
equipamento para chuva e para sol, sapatilhas novas e velhas, ”logo me decido”;
e roupa à civil porque afinal também há que aproveitar o passeio pelo Douro.
A recolha do dorsal, na Régua, foi sem avarias,
mesmo que me tenham recusado a t-shirt evocativa. Quanto à cidade, que me
perdoem, ficou um pouco àquem das espectativas apesar da magnifica paisagem da
sua marginal; o jantar também não terá feito jus à cozinha nortenha, se bem que
não tenha reparos a fazer à costoleta de vitela e muito menos ao fabuloso vinho tinto.
Chegada a manhã da prova, vai de olhar para a
janela, vai de colocar chip no sapato velho, que no novo não confio 21 kms, vai
de vasculhar cada pequeno bolso na procura dos alfinetes, ou melhor, do alfinete
da sorte, que sem os outros passo eu bem....a àgua da torneira da villa
recém estreada pingando na minha meia de compressão, comprada para enfrentar a
dita canelite e apertada como tudo (bem, suponho, ou não se chamaria de
compressão). O pequeno almoço servido mais cedo, com o bolo de azeite, o queijo
fresco, croisants e pão com doce, e o aviso a ressoar: “na manhã da corrida
come-se o mesmo que na saída para um treino”, ou seja muitíssimo menos que este
repasto...
À saída do “hotel”, e tirando vantagem de ter sido
acompanhada pelo meu (nem) sempre disponível chofeur, decdimos ir directos ao
local da partida, seguindo indicações da gerente. De entre locais sem indicação
no mapa, transitos proibidos e “não, por aì não se pode, tem de ir à volta”, e
uma agonia que se acentua no estomago, (do vinho de ontem, do pequeo almoço
demasiado guloso, da ansiedade?) lá chegamos ao local de partida em cima da
hora onde um sprint, mesmo a frio permitir-me-á chegar à partida à hora, ou afinal com uma hora de anticipação (não, nao era às
11:00 CET mas GMT), o que não deixa de ser bom já que permitirá lidar com a inesperada
exigencia intestinal e procurar ânimo e orientação em qualquer t-shirt laranja
que certamente por lá andará.
Lá deixo o Nuno Gião, que acabou de terminar um
aquecimento de 10 km e procuro a costumeira mancha laranja com diminuida esperança.
O José Carlos Melo, atleta demasiado alto, no meu pedestal estará por aí, no
meio da populaça, da adrenalina. Eu fico-me para trás, como sempre,
resguardando-me daqueles que sendo mais rápidos,
mais audazes ou mais insensatos, saem disparados sem reserva ou respeito pelos
demais.
Cala-se a musica e soa o disparo, segundos depois
a massa viva avança, ainda contida. Finalmente passo a meta e primo o start do
meu forrunner 210. Aí vou eu, contra tudo e contra todos, naquela que dizem (os
proprios organizadores) será a mais bela meia maratona do Universo.
“Gerir o esforço, aquecer bem, cuidado com a
canelite”, repito para mim propria inúmeras vezes enquanto miro o relógio,
“mais devagar, mais devagar”. E passa o km 2, “cadê o 1, que nem dei caso
dele?”; continuamos a descer e lembro-me
que teremos de subir, que o melhor é aproveitar: “deixa-te ir, já
abrandas na subida”. O corpo aquece, a adrenalina sobe, o ritmo embala; já miro
a paisagem, já rio disfarçadamente com o parafrasear (pouco cavalheiresco) dos
corredores nortenhos, já gracejo com os compaheiros de hotel que apanho, com
mal disfarçado orgulho. E aí veem os prós, já a subir, já no seu 10º km, primeiro
em cadeiras de rodas, que partiram um pouco à frente, seguidos dos magricelas,
alguns em visivel esforço “tão cedo ainda”, alí vêm os outros os corredores normais,
no pelotão da frente, “como eu, um dia” o José Carlos Melo (1 semana depois de
Ronda).
“Vá Claudia, não sejas maricas, vamos a elas”
incentivo-me. Elas são as outras mulheres, e começo a contar as que ultrapasso,
numa estratégica competitiva que resulta sempre que o ânimo é pouco; “seremos
20%, talvez, portanto cerca de 800 no total, 200 partiram depois de mim, se
passar 250 ficarei acima da meia tabela”. “Vamos a elas: 1, 2, 10, 15, era a 15
ou a 14?, 27, 43...” inversão de percurso, e portanto 1/3 já marcha mas um
gémeo começa a dar sinais, “aproveita a subida, que é longa, para abrandar”
aproveito o pretexto e paro para beber água
aos 9km e repreendo-me “já na perguiça”; acelero com o gémeo a
insinuar-se, “35, 38, de volta às 43...” Começa a insinuar-se também a ideia da
claque e do carro esperando-me ao km 14 “se isto não melhorar, fico por lá”. Ao
km 11 ora chove ora faz sol, visto e dispo a camisola, gerindo pretextos para
abrandar “58, 63, 65, 67”, ao km 12 pergunto-me se o meu gémeo aguentará mais 9
km, tantos quantos já fiz, “ouve o teu corpo, ouve o teu corpo”, aos 13 avisto
o ponto de partida e sei aproximar-me do carro “que faço se ele não lá estiver?”
pergunto-me já derrotada.
É o “day after” aliás, bastou-me a hora after para
me deixar abater, perguntar se aquele gémeo não aguentaria; “sim, está
definitivamente massacrado mas estará lesionado?” Para que fui eu ouvir o meu
corpo, ou foi a minha cabeça que ouvi, e sua insinuosa negatividade?
Na proxima não caio nessa, quando é a proxima?
Cláudia,
ResponderEliminarBelo relato com boas fotos.
Correr mal uma prova é um facto da vida. Todos passamos por essa situação.
Não há que esmorecer. Como bem sabes, a melhor opção é tentar perceber as razões pelas quais aconteceu, para prevenir situações futuras.
E venha a próxima.
Runabraço
Muito bem, Cláuda!
ResponderEliminarEu bem te percebo. Isto de corridas que correm mal, coisas que não estão como deve ser, farta-se de acontecer comigo. Boa parte delas, correm-me mesmo muito mal.
A parte positiva, é quanto mais me corre mal, mais eu fico cheio de vontade de recuperar, aplicar, e mostrar que embora não passem de frequentes acidentes de percurso,
a próxima é que vai ser.
Assim me vou motivando, como se andasse com uma cenoura à frente dos olhos.
Sim!! A próxima é que vai correr bem!!
Foi pena não nos termos encontrado nesta Meia da Régua, nem antes do início cheio de gente, nem a meio da corrida.
Embora a mancha laranja fosse grande (a t-shirt da caminhada era laranja), as t-shirts R4F não eram tantas como em outras corridas mais a sul, embora tenha estado com o Paulo e a Maria Martins
Agradeço as expressivas palavras, mas exageradas, esta coisa das alturas é sempre muito relativa... efetivamente não sou considerado alto, nem em termos reais nem em termos figurados, como sabes.
Gostei da paisagem e da corrida, eu andei por ali entretido apreciar a paisagem da margem do Douro de forma diferente doutras vezes.
Em modo de passeio mais ligeiro, até porque não dava para mais. Com abastecimento de água acima do normal, apesar de alguns pormenores que me pareceram que podiam ser melhor preparados.
Na altura da partida (já com atraso), ainda estavam a chegar participantes. E uma grande fila de espera na chegada.
E venha a próxima!
Bem vinda aos "escribas do blogue" Claudia :-)
ResponderEliminarObrigado pela partilha e pelo belo relato.
O que é correr bem ou correr mal uma prova, para "un loco del pelotón" como nós?
Tinha-mos pano para mangas.
Por mim só o facto de me levantar, equipar-me e chegar à linha de partida já é "quase correr muito bem" ;-).
Venha a próxima...com muito FUN.
Runabraços
cipepclam_ke Curtis Edwards Download
ResponderEliminarfenfisinik