Uma maratona em condições extremamente difíceis

Quando à um ano decidi inscrever-me na maratona de Estocolmo nunca me passou pela cabeça que iria encontrar as condições climatéricas que ocorreram, de acordo com a organização:

June 2 was the coldest day in June in Stockholm for the last 50 years, so it was not a good day for running a marathon. Wind and rain made the situation even worse. All those things made the 2012 ASICS Stockholm Marathon the most demanding race in the 34 years history of the race.
We are most impressed that you and almost 15 000 other runners managed to finish the marathon, concerning these cruel conditions. You and other runners were well prepared for the race, and ran wisely.

Kind regards
Athletic clubs Hässelby SK and Spårvägens FK

As condições climatéricas variam muito nos países escandinavos, como o Nuno Marques  e o Luis Correia me avisavam através do facebook, no entanto por azar no dia da maratona a variação foi sempre para pior.

Assim, a organização previa para o dia da prova cerca de 8 ºC e considerava que já seria uma temperatura muito baixa, fazendo algumas recomendações para o dia da prova, depois tivemos 3-4 ºC, com chuva e vento.

Na sexta-feira, dia anterior a prova, começaram as minha dúvidas, como deveria correr a prova, que roupa deveria usar? Como não tinha levado luvas nem gorro, a primeira acção foi comprar umas luvas e um gorro. Depois, decidi dado o frio previsto, levar uma camisola de compressão de manga comprida, um casaco sem mangas e a camisola R4F por cima, para as pernas calças até aos joelhos e meias de compressão, deixei tudo preparado para o dia seguinte.

Sábado de manhã, segunda decisão, que se viria a revelar muito importante, levar roupa para mudar no fim da prova, apesar de me encontrar a apenas uma estação de metro do local da partida e chegada, mas como estava a chover era melhor ter roupa seca no fim da prova.

Assim que saio do hotel primeiro choque, estava imenso frio para além da chuva, não fazia nenhuma ideia da temperatura que estaria pois não havia nenhum termómetro por perto. Cheguei ao local da partida mais ou menos uma hora e meia antes, tempo mais do que suficiente para me preparar, como chovia muito procurei um sítio abrigado para me proteger da chuva e aguardar a hora da partida. Tudo se começava a complicar, o momento da partida aproximava-se e eu cada vez com mais frio, 45 minutos antes decidi vou entregar a roupa e vou aquecer, vesti por cima de toda a roupa um plástico e estive ½ hora a aquecer, correndo lentamente, fazendo alguns alongamentos e exercícios, nada, continuava cheio de frio.

12.00 horas, partida, saí com cuidado, mas com o objectivo das 3h15’ na cabeça e realmente a passagem aos 10km/15km e meia-maratona estava dentro desse objectivo. Só que a partir dos 18 km tinham começado as dificuldades, estava completamente encharcado, os braços adormeciam (ficava com formigueiro nas mãos) e sentia cada vez mais frio. Os abastecimentos não estavam a correr bem, a água estava muito fria, decidi só tirar copos com bebida isotónica, parecia-me apesar de tudo menos fria, para piorar ainda mais as coisas beber por copos e correr não é muito fácil. Primeira falha da organização, não distribuir bebidas quentes nos abastecimentos, pelo menos nos últimos km’s, numa organização que eu considero que foi impecável, no entanto com muito pouca capacidade de improvisação, montaram os chuveirinhos e bidons para molhar as esponjas durante todo o percurso da prova, quando nunca parou de chover e não pensaram nas bebidas quentes.

Chegado à meia-maratona, pensei a minha prova esta feita, nestas condições não consigo melhor, a partir dali iria gerir a prova e tentar chegar ao fim no melhor estado possível. Fui movimentando as mão, tentando diminuir o formigueiro, que creio ter sido provocado pela facto da camisola de mangas compridas e de compressão ter ficado encharcada o que dificultava a circulação do sangue, ainda pensei várias vezes em tirar simplesmente a camisola, mas se parasse não conseguiria voltar a correr, assim continuei. Por volta do Km 31, apercebi-me da gravidade da situação passávamos pelo centro de Estocolmo junto ao palácio real e lá estava um termómetro que marcava 4 º C, pensei não pode ser eu não posso estar a correr com estas condições e aí tudo piorou. Psicologicamente comecei a ficar com medo, tinha lido que na última maratona de Chicago devido à baixa temperatura e esforço prolongado tinha havido problemas graves, inclusive uma pessoa tinha morrido, isso começou a vir-me tudo a cabeça. Entre o km 31 e o km 36/37 foi o pior período da prova tinha de motivar-me e controlar o frio ao mesmo tempo, não foi nada fácil. Por sorte a organização tinha por volta do km 36/37 barras energéticas e depois ao km 39/40 umas pastilhas também energéticas e assim recuperei alguma da motivação e lá cheguei ao km 41, com o estádio à vista tudo desaparece e aquele ímpeto final vêm ao de cima, só que desta vez disse não pode ser tenho de acabar com calma, mas à entrada para o estádio esquecemos tudo, aqueles 300 metros finais naquela pista são fantásticos.  

Terminada a prova, volta tudo, não me conseguia mexer, tremia por todo o lado, nem o Garmin consegui parar, pedi desculpa a uma das raparigas que recolhia os chips mas eu não conseguia desapertar os atacadores se ela me podia ajudar, muita simpaticamente ela lá me tirou o chip e eu segui o meu caminho.

Com alguma dificuldade fui buscar o saco, que providencialmente tinha levado, fui trocar de roupa numa tenda que estava montada com umas pequenas cabines no seu interior onde existiam uns aquecedores. Só que continuava com muito frio, as mãos inchadas e com dificuldade em mexer os dedos, lá apareceu um companheiro de corrida com um café quente na mão, pedi-lhe um golo ele ofereceu-me o café todo, enquanto ia bebendo agradecia-lhe seguindo para a saída. Segundo ponto negativo da organização, perguntei a uma das assistentes que por ali estava onde poderia encontrar apoio médico pois estava cheio de frio e com tendência para piorar, ela indicou-me um local por detrás da zona dos sacos mas eu não encontrei nada, fiquei sem perceber se existia ou não. Entretanto encontrei a zona dos cafés e fui bebendo café quente, uns 4 ou 5, fiquei um pouco melhor e decidi dirigir-me para o metro. Pelo caminho lá estava o stand da minha cerveja preferida “Erdinger”, fresquinha, mas só de olhar ficava ainda com mais frio, afastei-me logo. Aqui a organização esteve muito bem, havia de tudo, cachorros quentes, bananas, cerveja, cafés, etc...teria sido um final fantático, o tempo é que não ajudou.

Não era mesmo um bom dia para mim, apanhei o metro e na estação de saída enganei-me tive de voltar para dentro e encontrar a saída correcta, mais 10 minutos ao frio. Chegado ao hotel lá consegui recuperar algum calor e passado umas duas horas começava a normalizar.

A trigéssima-quarta (34º) edição da maratona de Estocolmo ficou definitivamente na história desta maratona, o número de inscritos bateu o record, 21,266 inscritos de 83 países, foi a maratona corrida com as piores condições climatéricas de sempre, a anterior tinha decorrido com 7ºC em 1987. Por outro lado apenas 8 % dos corredores que iniciaram a prova (15,968) não a completaram, sinal se calhar da providência de alguns, a organização considerou este um sinal positivo dizendo no seu site: “...a surprisingly low figure, considering the harsh conditions. Last year in good running conditions with 15 degrees and coloudy, 4 per cent of the runners who started did not finish.”

Uma palavra para a organização desta maratona tudo impecável tirando os dois aspectos negativos que já apresentei.

Comentários

  1. Parabéns Carlos Martins pelo feito.

    São estas que não se esquecem nunca!

    Deve ser um orgulho ter participado numa prova com este cariz..

    Grande resultado e enorme determinação...

    Boa recuperação e obrigado pela partilha.

    RunAbraço,
    NDA

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  2. Fantástico relato Carlos.
    Em alguns momentos da leitura "tremi" com o frio :).
    Bela e detalhada descrição.

    Grande espirito de sacrificio, muita determinação e muita força de vontade...seguramente aliadas a uma muito boa preparação para a prova.

    Estes momentos, tornam-se inesqueciveis e são eles que fazem a nossa história.

    Muitos parabéns pela conquista, pelo feito e pela coragem...viste o limite de muito perto, o que seguramente e após a recuperação te deve dar um gozo fantástico.

    Runabraços

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  3. Parabéns Carlos Martins,

    Pela tua extraordinária prova e pelo excelente relato que fazes de uma prova em condições extremamente adversas.

    Que diferença para o ano passado, com Sol e uma temperatura agradável para correr.

    A entrada no velho estádio olímpico, que faz 100 anos este ano, é uma sensação fantástica.

    A tua prova ficará para sempre na tua história. É certamente um grande orgulho teres sido capaz de passar tantas dificuldades.

    Forte runabraço

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  4. Parabéns!
    São estas provas que marcam a vida de um corredor!
    Eu já passei pela situação de não conseguir a abrir uma barra energética em prova devido a ter as mãos geladas e quem estava no abastecimento, para satisfazer o meu pedido de ajuda, teve de se socorrer dos dentes!

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  5. Parabens Carlos pelo maginfico relato. Estou como o Nuno, ao ler fiquei com frio. E eu que gosto de correr à chuva e com frio (mas não tanto).
    Grande determinação e coragem para combater as adversidades que apareciam, o que sozinho, ainda consegue ser de maior valor.

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  6. Muitos parabéns e obrigado pela partilha Carlos.
    Por muito bem preparados que estejamos, as condições atmosféricas do dia da corrida podem realmente ser o nosso maior adversário.
    Bom (e merecido) descanso.

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  7. Parabéns,

    uma Maratona é sempre uma prova especial mas nestas condições fica mais tempo na memória.
    Óptimo relato pois a seguir tive de ir beber um café pois estava com frio.

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  8. Este comentário foi removido pelo autor.

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  9. Parabéns ,
    Todas as maratonas são diferentes mas todas deixam a sua marca. No ano passado estava uma temperatura excelente, este ano foi assim! O mesmo me aconteceu mas ao contrario , 31 graus. O importante é a nossa participação e finalização. Abraço

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