Auto-análise na Geira

Autora: Sandra Simões
Data: Abril 22, 2015







O desporto faz parte da minha vida desde os 7 anos, na ginástica do Sporting. É-me intrínseco, faz parte de quem eu sou. Ginástica, natação, krav maga, mergulho com garrafa, paintball. Até que chegou a corrida, e é esta que mais prazer me tem dado e à qual mais me aplico, dentro das minha possibilidades de tempo e económicas.


E apenas percebe este prazer, e esta necessidade, quem está no mesmo contexto, pelo que, muitas vezes, não temos o “reconhecimento e compreensão” de alguns amigos e família. No meu caso, apenas o meu pai acha piada a estas loucuras, porque gostaria de fazer o mesmo caso tivesse menos idade.


Mas, para além do prazer, o desporto também nos dá conhecimento de nós mesmos, dos nossos objectivos e das nossas capacidades. Sempre detestei o desporto de competição. Não faz qualquer sentido, para mim, esticar o meu físico para ser a melhor. Tal como ser a melhor da turma, ou ser a colega mais popular também nunca foram objectivos. Sabia bem, quando acontecia, mas não lutava por isso, e por essas razões.


E as provas demonstram-me quem sou e o que representa a competição: lutar comigo mesma. Acabar a prova. E acabar com menor sofrimento. E gozar a envolvente, daí a preferência pelos trilhos. E, sendo possível, manter uma conversa gira, e trocar impressões e brincadeiras com quem vou. E, também, sendo 100% sincera, também me proponho ultrapassar todos os rabos maiores que o meu. Mas, vendo bem, não são assim tantos.


As provas também me ensinaram que só acelero em duas situações: quando estou chateada com alguma coisa ou quando começo a sentir a meta e quero pôr um ponto final no cansaço. Não me orgulhos da primeira, mas sou assim.


Depois, gosto dos parabéns dados pelas pessoas de quem gosto e de frases simples de apoio como “estiveste bem” É fútil e narcisista? É, claro. Mas, como também gosto de dar esses parabéns, a situação equilibra, vá.


Este é o resumo dos sentimentos e compreensão da minha realidade que estes 50 km me trouxeram e que decidi partilhar, numa perspectiva diferente.


Quanto à prova propriamente dita, o arranque custou-me horrores, como custa sempre, porque não tenho, nunca, energia inicial, em subidas e rapidamente fiquei para trás. Assustei-me quando me apercebi que havia a hipótese de fazer toda a prova sozinha. Mas racionalizei que sou teimosa e que o faria, excepto se um dos lobos do Ruben me aparecesse pela frente. A correr, a andar, a rastejar, mas faria. Mas apanhei o senhor dos lobos, numa descida, e fizemos a prova juntos, a conversar sobre modelos de negócio, o que nos levou a ignorar as fitas por três vezes, e a ter que voltar para trás. Encontrámos o resto do grupo aos 17 km e fizemos todos a prova juntos até ao km 43 km, numa descida de downhill, onde o Ruben pediu para avançarmos, porque era uma descida (quem conhece o Ruben sabe o que significa), íngreme e as pernas tinham dado de si. Exactamente, esse foi o preço que ele pagou, pelos 50 km no Piodão e os 65 km em Sicó, nos meses antecedentes.


Segui, pela adrenalina de completar a primeira ultra e porque fisicamente sentia-me bastante bem. E assim passámos o rio e completámos a prova. O Ruben também, chegou depois, acompanhado pelo Nelson, que voltou para o acompanhar uns km atrás, depois de ter terminado a própria prova.


Mas, nessa noite, após a prova, a corrida deu-me novas conclusões: devia ter ficado e acompanhado um amigo, que também me acompanhou. Porque era irrelevante acabar em 8 h ou em 9h. Era irrelevante chegar à meta qualificada ou desclassificada. Porque podia ter ajudado a tornar-lhe a descida menos dolorosa e podia tê-lo chateado com o monte de disparates que costumam sair da minha boca: “Sandra, os 10 minutos ainda não passaram, não podes dizer coisas malandrecas”. Percebi que, sendo absolutamente legítimo para as outras pessoas, a mim, pessoalmente, e neste tipo de provas, o que faz sentido é acabar o meu desafio, que tem o comprimento de 50 km, e que acaba geograficamente no local onde está um pórtico. E, se o acabar, apoiando alguém, mesmo que desclassificada no cronómetro, sabe igualmente bem. Ou melhor.


Resumo: aos 30 km toda a minha pessoa era uma dor e achei que não acabava. Mas tudo passou e as forças estão sempre a renascer. A prova é lindíssima, o verde é deslumbrante, a experiência na barragem é diferente, o Avé César é sempre divertido, passamos por cavalos e vacas e NÃO HÁ NADA que se compare com correr em trilhos e no meio da natureza. Quem não o faz não tem a mínima noção do que significa. Parabéns à equipa laranja (e convidados) que terminou integralmente, e bem, nas duas provas, à Daniela, dos Cães d´Avenida e ao Mário a quem vou assediar para se juntar à equipa. E parabéns especiais à Ana Varejão, que nunca fez qualquer desporto, cuja vida profissional e pessoal eu conheço como sendo estafante e absorvente, e que, mesmo assim, no espaço de um ano, começou a correr e a fazer provas desta natureza. E que está a descobrir o prazer e a refilar bem menos por metro quadrado.


THE END

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