Fase: Pré (é a fase onde a vida acontece, o carrocel anda a girar e onde fazemos opções se entramos ou ficamos a ver os outros a girar)

O ano começou cheio de ideias desportivas. 
Estava a começar a empenhar-me na ideia da Homenagem ao Spiridon.
 

Já havia contactos com Clubes de atletismos, com o Nuno Pimenta, e com o Professor Mário Machado. Estava a crescer a ideia para uns eventos de Norte a sul. 

Vem o covid e parou tudo. Spiridon é para esquecer. 


Entretanto durante a pandemia o Pedro Ribeiro organizou uns treinos no Cabeço. 

28 Julho, o convit... "Mekié ... já te inscreveste no Estrelaçor? Vamos aos 180?" Eu ri-me. E ri-me outra vez. 
Parece que durante um treino no Cabeço falamos nessa ideia maluca, mas devo ter feito um reset da memória e até hoje não me lembro dessa conversa. 

Não sei como me deixei convencer. Era uma ideia que tinha um dia fazer a distância de 100milhas. Mas tinha que ser planeado com a ajuda do Luís Matos Ferreira. 

Tinha a certeza que o maluco do Pedro se inscrever. O rapaz não ia sozinho. E pimba... Inscrição feita... Toca pensar em treinar. 

Fase: Antes (é a fase em que corremos atrás dos objetivos. É com garra, não há desculpas da treta de falta de tempo nem de motivação. É para vestir os calções e treinar porra!) 

Já havia algum treino feito, essencialmente tudo em estrada. Muito devido a excelente iniciativa da Direção do desafio da Orange Séries. 

Mas ainda era preciso treinar altimetria. Só que o joelho tinha dado sinal manhoso no último treino no Trail de Santa Cruz. 

Era preciso saber o que se passava com o joelho. 5 Semanas sem treinar a espera dos exames. 
Veio o veredito do exame e sabia que podia treinar.

Fomos para Sintra sempre que podíamos. 
Decidi que iria fazer todos os treinos sempre com bastões para me habituar e evitar meter o pé no alcatrão para ver se a patela ficava 100% ok. 

Foi uma ideia feliz. Correu exatamente como previ. 

Alguns treinos deram indicadores positivos. Por exemplo, terminar dois treinos com 40km e sentir que podia continuar treinar mais tempo. 

O tempo para se treinar foi curto, muito curto, pelas minhas contas precisava de pelo menos mais 4 a 5 semanas. Mas o Luís M. Ferreira escreveu algures que foram treinos com qualidade. 

Não se fazem omeletes sem ovos nem provas sem treinar. Mas a necessidade também aguça o engenho e de repente tinha um percurso alternativo, mais próximo de casa e desafiante em Monsanto que inclui quase exclusivamente trilhos e excluía os estradões. 

O El Charrito e o El Charritito. Faltou concretizar uma versão bruta o El Charritão ou Charriton. 

Nesta fase foi preciso açambarcar tudo que motive e seja positivo na vida. O corpo anda exausto dos treinos e a cabeça mantém a coisa a andar e a tomar decisões assertivas. 

A cabeça apoio o corpo e mostra-lhe opções corretas e este reage positivamente. É assim em tudo na vida. Confiança. 

Alguns dirão que a corrida é apenas uma brincadeira e que estas comparações e modo de dizer que é a vida é exagerada. Será?! 
Sobre isso existem bons livros que podem ajudar a elaborar um pensamento sobre as opções de cada individuo e outras coisas. 



Se não,.. atentem a isto: O confinamento anda a deixar as pessoas "loucas". Sem objetivos, sem olhar o horizonte da vida, sem os sorrisos dos amigos, sem festas... Como é possível hoje em dia as pessoas acharem que a humanidade pode viver sem festa?!

O quê, a vida vai se ser só trabalho, trabalho, pagar contas, enfiarmo-nos em casa?! Seria o fim.Ouvi dizer que agora anda por aí a onda das queixinhas. Está tudo louco?! 

Eu preciso de companhia nos treinos. De ir no beca beca... Na fase de "antes" foi excelente fazer treinos muitos dos laranjinhas. 

Rute, Marina, Sherpa, Luís Afonso, Teodoro, Gonçalo, Carmen Ferreira, Rui Gonçalves, João Barreira, Orlando, Ana Melo, Francisco Afonso, António Rego, JP Sousa, Ruben, Nuno Dias, Pedro Machado, Ana Tavares, Guida Monteio e Joaquim Monteiro... 

E claro... a Maluquete e os dois malucos inscritos nos 180km Luís e o Ribeiro.

Uma semana antes ainda deu para ir a um osteopata fazer umas manipulações dos ossos. 

Ainda incluído dentro do “antes”, uma decisão de alguns delegados de saúde colocaram a realização da prova em check. Ainda assim fizeram com que a organização tivesse que cancelar a prova em que o Orlando e a Ana Melo iriam brilhar. Aparentemente o motivo era que os atletas iriam correr muito próximos uns dos outros. Do genero dos adeptos da F1 nas bancadas do Algarve. Foi o que entendi... mas se calhar não.

O que se passou dava para um argumento de um filme. Praticamente a prova esteve cancelada até dois dias antes. Também tivemos a cegada de termos todos que realizar o teste ao covid 48 horas antes da prova... Enfim. 

A "Barbara" também veio complicar as coisas. A organização foi obrigada a alterar o percurso a no dia antes do início da prova. E depois resolver ainda fazer um desvio para os atletas terem a oportunidade de ver uma linda vista. 

No dia anterior a prova lá fomos nós para o Hotel na Serra. Uma grupeta de 5 artistas. 
O moral estava em altas. O fim do dia estava giro mas frio. 
O jantaruxo no Varanda da Estrela fechou o dia.

Fase: Durante (No dia D e depois do tiro de partida é por em prática toda a estratégia e esperar conseguir terminar)

Antes do pequeno-almoço ao ir buscar o dorsal, vou ler a lista das partidas e estava alterada. Juntaram os três estarolas na mesma start time. 11h:50. Ok sem problemas. A partida iam ser de 5 em 5 minutos e 5 atletas de cada vez. Tenho tempo para ir tomar o pequeno-almoço e fazer muitas coisas antes da partida. 

11h:20, estou a arrumar umas coisas no carro e vejo o Pedro e o Luís a passarem mesmo a minha frente. WTF??!!! Já estavam em prova... Ao mesmo tempo que acenavam gritaram "RUIIII... Despacha-te! Já chamaram o teu nome." WTF?!! tá tudo parvo. O que é que se passou aqui?

Vou a correr pelo hotel a dentro, buscar a mochila... Saio do hotel em corrida, com a mochila já posta... 
Estou a arfar. Fiz dois sprints de quase 500m com a máscara posta. 
Cheguei a zona de partida, e o speaker já me começava a pressionar para entrar no ringue. Mas gritei-lhe que não tinha o traker. 

A organização não me quis entregar o traker quando levantei o dorsal. Disseram que só entregavam quando entregasse a mochila da base de vida. 
Mais uma corridinha para ir buscar o tracker. 

Tudo a postos. Éramos os últimos 3 atletas para partir. Parecia a pole position da fórmula 1. Dois lado a lado e outro mais atrás. 
3.. 2.. 1.. Carrega Faria que esta porra começou. 

Espera... Beijoca e siga. 

O primeiro pensamento foi saber se acelerava o passo para me encontrar com o Riveras e o Luís. Esquece lá isso. 
Há muita prova pela frente. 

Depois foi rever se tinha trazido tudo na mochila. Pois agarrei nela à pressa. Coisa parva de se fazer para quem está a pensar começar uma prova de 180km. 
"acho que esqueci o cabo para carregar o telemóvel. f%&//k" 

Alguns km depois juntei-me ao Pedro que ia a passo para esperar por mim. 

Nos primeiros quilómetros e até a torre fomos sempre acompanhados pelo Sherpa e pela Sandra. O adeus foi na torre. Íamos com 10km de prova. 

A partir daí a história da prova foram as conversas com o Ribeiro e o andamento a trote sempre que não fosse a subir. 

Para mim, os primeiros 40km foram uma constante avaliação dos sinais do corpo e do joelho. 

Foram muitos km com algumas descidas que era preciso algum cuidado. Principalmente depois da Torre. Os habituais tufos de relva, pedregulhos e zonas com rocha e a correr água. 

O dia estava a chegar ao fim e estávamos a trotar a parte mais bonita do percurso até aí. 
Saquei pela primeira vez o telemóvel e tirei umas fotos. 

Mais ou menos ao km 45 percebi que se mantivesse o ritmo não ia ter problemas com o joelho. 
Nessa altura comentei com o Ribeiro que estava com a sensação de esforço de ter feito 10... vá 20km. 
Excelente indicador. Motivação extra.

Até aí os abastecimentos tinham sido uma desilusão. Chegamos ao km 80 (Piodão) com uma sopa e alguns pedaços de pizza no estômago. 

Não é preciso ser grande expert para perceber que isso não pode ser. É preciso comer para o organismo repor as energias gastas e não ficar em deficit. 

Veio a noite, e que noite gelada mas espetacular. Com ela veio a subida do Colcurinho que o Pedro tanto gosta. "O Ferrari das subidas" 

Veio o amanhecer espetacular. Tínhamos acabado de fazer uma subida digna de ser chamada bruta. 

A partir veio a parte do da Serra do Piódão. Descer e subir intermináveis estradões com pedra solta. Não há muita história neste percurso, tirando o barulho das nossas amigas e companheiras eólicas. 

Num dos abastecimentos tomei um chá que me mexeu com o meu sistema. Fazia xixi de 500 em 500m. Não era só vontade. Fazia mesmo. 
Estava a ser improdutivo correr. Era preferível quase só ir a andar. 

Também tive que colocar um penso para evitar o avanço de uma bolha e por creme na nalga esquerda que estava a fazer fricção com os boxer e a querer começar a assar. 

No último percurso de 12km antes de chegar ao sopé da Torre (Alvoco) não consegui fazer o trote. Estava com suores frios e ficava mal disposto se corresse. 
O Riveras teve que ter alguma paciência aí. 

Chegada ao Alvoco da Serra e os populares parece que já adivinhavam. "...vocês vão subir a Torre?! Aquilo esta muito mau. Mesmo os qua a conhecem as vezes perdem-se por lá quando está sim..." 

Ao chegar a base de vida, mesmo antes de entrarmos, um dos organizadores informou que ninguém saia do abastecimento. Que para nós a prova estava suspensa e iriamos ter que esperar a ver se o tempo melhorava e houvesse condições para fazer a subida. 

Eu e o Pedro, trocamos de equipamento, refizemos as mochilas e estávamos prontos a voltar a prova e a subir à Torre. 
Passou meia hora e chega o diretor de prova e diz que a prova para nós acabou. 

A guarda de montanha tinha ido resgatar 5 atletas em estado de hipotermia. Caso fosse só um, talvez ainda se ponderasse avançar. 
O Ribeiro, fez as contas e quis saber se algum dos atletas era o Luís Matos Ferreira. O Eduardo ligou para o centro de controlo e informaram que nenhum deles era o Luís. 
O Luís estaria a 1hora de chegar ao topo. Quando chegou lá acima também terminou a prova para ele. 
E a aventura do durante acabou aí. 

A dele sim, mais ou menos, a nossa não... Não acabou. Mas já envolve nevoeiro com visibilidade quase nula e um condutor... vá, dizem que vê mal. 
Acho que corremos mais perigo naqueles 45m dentro do jipe na estrada a caminho das Penhas do que se tivéssemos subido a Torre. 

Bom... Depois do banho ainda houve mais emoção... 

O Pedro é um excelente companheiro de prova e isto não vai ficar assim... 
O Luís Matos Ferreira é uma máquina e conto contigo para os treinos na próxima tentativa nas 100milhas. Gosto de te ter por perto e da tua sabedoria neste assunto.

Os outros atletas da comitiva RUN 4 FUN tirando o desafortunado Luís Afonso, que sofreu uma queda e teve que abandonar ao fim de alguns km, todos terminaram as provas. 

O Sherpa, treinou no duro e fez uma boa prova. Ele próprio contará os detalhes.

A Sandra, a Marina e o Teodoro deixaram o pessoal todo preocupado, por causa da alteração de última hora do percurso feita pela organização, mas terminaram em beleza.
A Marina batia o dente e teve a ajuda do Orlando e da organização para voltarem a repor a temperatura corporal.
O Teodoro que é experiente nestas andanças diz que não nunca mais vai levar os mínimos do equipamento. 

A Sandra, ou melhor, os três, voltou a terminar os 100km do Estrelaçor enrolada na manta térmica. 

Não percebo nada das contas da ATRP, mas a SS deve estar no pódio do escalão na temporada 
2020. Veremos. 

O “nosso menino” João Sousa fez uma prova do catano!! Máquina. 

A Carmen também fez uma excelente prova. Para além disso esteve a apoiar o JP e foi uma tremenda motivadora no chat dos participantes desta prova.

Tivemos ainda uma surpresa no abastecimento do Piodão. A Maria Saldanha Azevedo estava lá e recebeu-nos com muito carinho. Estava a apoiar a organização e foi ela que nos serviu a refeição. Obrigado Maria.

No apoio também estiveram a Ana Melo e o Orlando, que apesar de terem cancelado a prova foram apoiar o pessoal. O Orlando estava sempre disponível e foi imparável no apoio à Marina. Eu estava ali ao lado e vi a preocupação dele. 

A Isabel (Afonso) também estava lá para o apoio, mas regressou com o Luís Afonso para Lisboa. Foi pena terem perdido toda a festa final.

A Margarida (mulher do Teodoro) também estava presente, mais uma vez, a soltar mimos e alegria. Ainda teve que se preocupar por causa do seu xuxuzinho mas acabou tudo bem.


Fase: Bazófia 
Para mim não há bazófia, mas estou solidário com a bazófia dos restantes porque afinal de contas todas as fases contam e eu estive presente.

Fase: Relaxa que Encaixa (vai ter que ser)


Mas há a fase "um pouco de descanso e Acreditar que o Universo baralhe novamente as cartas e que o carrocel comece a girar outra vez."

Beijinhos e abraços.
É RUN... É FUN... É RUN 4 FUN

Rui Faria


Comentários

  1. Eu gostava de tentar fazer umas 100 milhas (na próxima reincarnação) só para ver se conseguia escrever tão bem como tu, Rui Faria. Qualidade de escrita extensiva ao grande LMF e ao criativo PR. Parece que têm também isso, em comum.

    Fantástica descrição do processo, com grande humor e capacidade de encaixe para as adversidades, a começar na partida, eehhehehhh.

    E um final de texto sublime com um video original, grande artista criativo. Parabéns Rui e a todos os "locos" R4F que participaram a correr ou a motivar / ajudar nesse louco empreendimento.

    Runabraços

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  2. Duas coisas que admiro muito em ti: o seres absolutamente genuíno, e a tua generosidade para com os outros. O texto está excelente e foi uma honra ter podido participar nas várias fases contigo. Forte abraço e para o ano há mais! 👌👊🍊🙏

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