Lama




Terminado o V Trail de Bucelas, "devia escrever alguma coisa engraçada sobre lama", pensei eu. Material não falta.

Temos os efeitos relaxantes, purificantes e anti-inflamatórios desta mistura pastosa de terra, argila e água que, uma vez submersos nela, nos dá a sensação de estarmos a flutuar. Quem nunca se sentiu a flutuar naqueles breves instantes entre o levantar do pés e o aterrar do rabo? Com cinzas vulcânicas, a lama esfolia. Com árvores e pedras, esfola. Num spa, acalma a mente. Numa corrida, o Teodoro passa-te à frente.

Há outras perspectivas engraçadas. Como a do porco que, desprovido de glândulas sudoríparas, precisa de chafurdar na lama para regular a temperatura corporal. Diz que também serve para espalhar o seu odor, marcando assim o território e atraindo fémeas. Talvez um dia também seja alvo de teorias de evolução da espécie, o facto de gostarmos de conviver malcheirosos após as corridas. Uma coisa é certa. Lama não é sinal de falta de higiene, talvez de amor próprio.

Também posso fazer um trocadilho e falar do lama. Um primo dos camelos oriundo da américa do sul que tem o estranho hábito de cuspir para onde está virado. O corredor também não é muito dado à etiqueta. Aliás, o que me surpreende sempre é ver alguém suado, sujo, cheio de terra e lama até à testa, a puxar um lencinho de papel do bolso para se assoar. Não que esta malta (e também a há nos R4F ;) esteja errada. Mas o corredor é mais do género que faz as necessidades onde calha, mesmo quando há gente a ver.

Acho que já perceberam. Falar de Bucelas é falar de lama, escorregadia, barrenta e pegajosa que, de vez em quando, é pouca o suficiente para tirar os olhos do chão e observar a incrível vista dos montes, os caminhos serpenteados rodeados de vegetação ou as travessias de rios cuja água fresca dá vontade beber (não recomendo). Com pouco mais de 900 D+ e sem nenhuma parede daquelas mesmo verticais, até dá para correr. Por vezes, flutuar. Nada que faça perder o caminho muito bem marcado, os abastecimentos q.b. ou a simpatia dos bombeiros. E é por eles que corremos nesta prova. Por eles e pelo amor à lama, temos que voltar.

Comentários

  1. Sem dúvida Pedro, temos de voltar, vale bem a pena revisitar estes trilhos. Se não for por causa da lama (alpaca, guanaco ou outro camelídeo), que seja pelo arinto (que infelizmente desta vez não provei).

    Obrigado, deste-nos um belo texto que aflora questões relevantes como a do lencinho, que levo sempre. De futuro vou aliviar a carga do camelbak.

    Um abraço,
    Teodoro

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  2. Belo relato, do tipo literário, com bela comparação com um animal muito interessante. A do lencinho está muito bem apanhada. Há que ter compensações de limpeza :). Obrigado Pedro Ribeiro.

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